I. Howard Marshall encontra quatro perigos bíblicos que poderiam servir como precursores para um crente desistir de sua fé em Cristo e cometer apostasia.

1) Perseguição por incrédulos – “Os crentes. . . são frequentemente tentados a abandonar sua fé por causa das dificuldades de mantê-la em meio à feroz oposição”.

2) Aceitar Falsa doutrina – “Independentemente da forma com esta se apresenta, a tentação é romper a borda da fé em Jesus Cristo e, finalmente, destruí-la completamente”.

3) Tentação do pecado – “A importância desta forma de tentação é que ele faz com que o crente negue o poder de Deus para preservá-lo de pecar, para impedi-lo de retornar às mesmas coisas que deixou quando foi salvo por crer em Cristo (e que, pela sua Natureza exclui um homem do reino de Deus), e para evitar que faça coisas que são expressamente proibidas pelo Senhor. . . . Em outras palavras, o pecado é um ato e atitude que é incompatível com a obediência da fé e, portanto, constitui uma negação da fé “.

4) Cansaço na fé – Este é o lugar onde “o crente gradualmente se afasta de sua fé e passa para um estado de apostasia.”

Marshall conclui: “O Novo Testamento contém muitos avisos sobre o perigo do pecado e da apostasia para que sejamos complacentes com essas possibilidades. Esses perigos são reais e não ‘hipotéticos’.” (Kept by the Power of God, 197, 198).[1]

Precauções sobre o desenvolvimento de uma doutrina da apostasia

Segundo Robert Picirilli, se a Bíblia ensina que a apostasia de um estado verdadeiramente regenerado é possível, ainda temos que ser muito cautelosos sobre expressar ou formular tal visão. Aqui estão algumas das coisas para ter cuidado.

  1. É extremamente importante expressar nossa opinião de tal maneira que a fé, e não as obras, seja a única condição da salvação. Não devemos estabelecer a salvação pela graça através da fé com a mão direita e tirá-la com a esquerda.

Em outras palavras, a condição de salvação é sempre a mesma. Como Armínio expressou isso, é “impossível aos crentes, enquanto permanecerem crentes, recusarem a salvação”. Se alguém obtém acesso à graça salvadora pela fé e não pelas obras, ele parte da incredulidade e não das obras. E, como a fé salvadora foi definida no capítulo 9, sua natureza não muda uma vez que a pessoa foi salva. . . .

Salvos pela fé e mantidos pelas obras” simplesmente não concorda com o ensino bíblico relativo à base da salvação.

  1. De qualquer maneira as “obras” positivas de um crente estão envolvidas na perseverança, então devemos relacioná-las com a fé e não como condições de continuar na salvação como tal. Expressar essa relação às vezes é difícil; a própria Bíblia nem sempre tenta nos certificar de que entendemos que tais coisas não são “essenciais” para a salvação.

Não se pode duvidar que a fidelidade, a conduta correta, a oração e a obediência a Deus sejam exigidas aos cristãos, ou que sejam importantes para o bem-estar espiritual do cristão – e, portanto, eventualmente, para sua perseverança. Mesmo assim, estas devem, aparentemente, ser entendidas como integralmente relacionadas com a fé que é a única condição para salvação. Em outras palavras, essas “obras” – se essa é a palavra certa – são evidências de fé (para os cristãos, talvez até os meios de fortalecer ou manter a fé), mas é a fé e não as evidências dela que salva.

Nesse sentido, podemos até chamá-los de “essenciais”, assim como produzir maçãs é “essencial” para uma macieira, mas isso manifesta o que a árvore é e não faz dela uma maceira.

  1. Inversamente (e, às vezes, igualmente difícil de expressar precisamente), não devemos fazer os atos pecaminosos, em si mesmos, a causa da queda da graça. Da mesma forma, não devemos dar a impressão de que cada vez que um pecador peca, ele está perdido e precisa ser salvo novamente. Além disso, não devemos cometer o erro de insinuar que as pessoas salvas não pecam.

Se a fé é a condição para a salvação, então a descrença é a “condição” para a apostasia. Novamente as obras têm um papel importante, seja negativamente ou positivamente, mas como evidências de fé e incredulidade e não como a condição fundamental de ser salvo ou perdido. . . . A apostasia é uma retração intencional da fé.

O cristão pode pecar? Certamente que sim. Mesmo os arminianos wesleyanos que creêm em alguma forma de “inteira santificação” acreditam que os cristãos pecam. Assim como os calvinistas, embora os calvinistas clássicos não nos encorajem a pensar que os cristãos continuam indefinidamente em vidas caracterizadas pelo pecado. Qual é, então, a diferença entre os pecados de uma pessoa regenerada e aqueles de alguém não regenerado?

Embora eu seja suficientemente cauteloso para saber que nem sempre posso examinar a vida de um indivíduo e fazer um juízo dogmático sobre sua condição, acho que posso definir a diferença fundamental envolvida. Quando uma pessoa não salva pecar, esse pecado representa o que ele realmente é por natureza. Quando uma pessoa regenerada peca, esse pecado é uma contradição do que ele realmente é, e ele a reconhece como tal. Consequentemente, nas palavras citadas em 1 João 3: 7, a pessoa regenerada não vive em pecado; a pessoa não regenerada faz. Mas em ambos os casos a prática é evidência da natureza interna, não seu caso.

Alegremo-nos porque Deus, que faz o único juízo efetivo, conhece perfeitamente o coração de cada indivíduo, e se existe verdadeira fé. Nós, por outro lado, podemos “julgar” apenas pelo que pode ser visto no exterior, e esse tipo de julgamento – mesmo que muitas vezes seja feito – pode estar errado. Em termos bíblicos, então, continuaremos corretamente a considerar qualquer pessoa cuja vida é caracterizada pela prática pecaminosa (independentemente do que ele afirma sobre a “salvação”) como não tendo fundamento para a garantia da salvação.

Isso quer dizer que, sempre que peco, coloco em dúvida imediatamente a minha salvação? Não. . . .

  1. concluindo o que já foi dito, devemos permitir na nossa expressão desta doutrina o fato de que as obras salvíficas da graça que recebemos são baseadas na “união com Cristo” e que a união é estabelecida no cumprimento da condição de fé. Eu recebi todas as bênçãos da salvação (justificação, santificação, redenção, etc.) em virtude de ser “nele”.

. . . Se eu estou Nele por fé, então somente por um abandono da fé salvadora eu estarei “fora dele”. . .

Uma das implicações disto é, simplesmente, que não há um estado “entre” sendo salvo e perdido. . . . Qualquer indivíduo dado, a qualquer momento, está em uma união de salvação com Cristo ou não. E se ele está em Cristo, ele está somente pela fé. . . .

  1. É importante, portanto, para nós que acreditamos na possibilidade de apostasia ensinar a garantia de salvação e os fundamentos adequados para essa garantia. Este ponto de vista não significa, por exemplo, que não se possa ter certeza, ou que se deve andar como se caminhássemos sobre cascas de ovos por medo de “perder” a sua salvação. Viver com medo ou com a falta de segurança na salvação não é, de modo algum, a vontade de Deus para Seu filho, nem está em harmonia com o ensino bíblico.

A garantia, portanto, deve ser baseada na palavra de Deus que promete salvação para aqueles que… Ponham fé em Jesus Cristo. Confirmando que a garantia para aqueles que fazem isso será o testemunho interior do Espírito de Deus.

Ao mesmo tempo, a Bíblia não nos encoraja a garantir a salvação àqueles cujas vidas são caracterizadas pela prática pecaminosa. Tanto calvinistas tradicionais quanto arminianos concordarão com isso.

  1. Também é importante, devemos expressar nossa opinião de tal forma que a apostasia seja reconhecida como uma grave, deliberada e decisiva crise. A apostasia não é o que a maioria das pessoas quer dizer como “retrocesso”. Não é algo que um verdadeiro crente, regenerado pelo Espírito de Deus, pode fazer de maneira leve e fácil. Alguém não é salvo hoje, perdido amanhã, e salvo novamente no dia seguinte.

Enquanto alguém continuar a exercer a fé salvadora, ele não comete apostasia. A apostasia, aparentemente, não pode ser revertida e é o ponto final.

  1. É importante, portanto, advertir os crentes sobre o perigo da apostasia e exortá-los a perseverar na fé e nas boas obras, não como um meio de assustá-los ou incomodá-los, mas como meio de edificação e Espiritual, que é a única, segura, maneira bíblica de evitar a apostasia (2 Pedro 3:17, 18).

O Calvinista tradicional concorda que o próprio Novo Testamento realmente apresenta tais advertências e exortações, e que estas são de fato meios de perseverança. É obviamente bíblico, portanto, aceitar tais advertências e exortações. Contudo, não é tão obviamente bíblico ensinar aos crentes que estas são meramente advertências contra algo que não pode realmente acontecer. Pode-se perguntar se esses avisos e exortações podem ter o efeito desejado se o apresentador, posteriormente, assegura aos seus ouvintes que tal apostasia não é uma possibilidade real, qualquer um desses pastores que negam a possibilidade de apostasia adverte seu rebanho contra ela?

Se não, esse certamente não é o caminho bíblico. Na verdade, tais advertências e exortações têm força precisamente porque se referem a um perigo real. Convencer os crentes de que não há possibilidade de apostasia é negar o aviso bíblico. Não posso deixar de dizer, portanto, que a tentativa calvinista de explicar os avisos bíblicos como meio pelo qual a perseverança seja assegurada é, finalmente, uma triste travessia.

Do lado negativo, os crentes devem ser advertidos contra os caminhos que podem levar à apostasia. Estes incluirão tolerância à falsa doutrina, indulgência contínua no pecado e rebelião contra o castigo de Deus. Qualquer um destes pode colocar alguém em um caminho que leva à descrença consciente e deliberada que está envolvida em “afastar-se do Deus vivo” (Hebreus 3:12). (Grace, Faith, Free Will, 204-208)

 

Postagem Original: http://evangelicalarminians.org/thoughts-on-apostasy-from-i-howard-marshall-and-robert-picirilli/
Tradução: Eduardo Vasconcellos

[1] O livro, Guardados pelo Poder de Deus, de Howard Marshall, será um dos lançamentos da Editora Sal Cultural em 2017

Editora Sal Cultural - Coleção Grandes Temas da Teologia

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