Por A. B. Simpson


“Mas cresçam na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” – 2 Pedro 3:18

Ouvi falar de um menino que foi encontrado pela mãe em um dos canteiros do jardim, com os pés enterrados no solo e parado ao lado de um girassol alto, para o qual olhava ansiosamente. Quando sua mãe lhe perguntou o que isso significava, ele disse que estava tentando se tornar um homem e queria ser tão alto quanto um girassol. Com que veracidade nosso Mestre disse sobre todas as nossas lutas para crescer mais alto: “Qual de vocês, pensando bem, pode acrescentar um côvado à sua estatura?” Todo o alongamento do garotinho não aumentou sua altura. Sem dúvida sua mãe lhe disse para entrar e comer um bom jantar, e dia após dia beber bastante leite fresco e fazer suas refeições com entusiasmo, e correr e brincar para fazer exercícios saudáveis e ser uma criança feliz e tranquila, e assim ele se tornaria um homem. Seu desejo de crescer não o ajudaria realmente a crescer, a menos que ele usasse os meios adequados.

É exatamente assim em nossa vida espiritual. A preocupação e o esforço não aumentarão nossa virilidade espiritual. O próprio Deus revelou o segredo do crescimento, e não é muito diferente do conselho da mãe ao filho. Vejamos alguns princípios do progresso espiritual.

I. A RELAÇÃO DO CRESCIMENTO ESPIRITUAL COM A SANTIFICAÇÃO

O apóstolo que nos deu o nosso texto já havia estabelecido os princípios do crescimento espiritual no capítulo inicial de sua epístola com grande plenitude e maravilhosa clareza e poder. Não há nenhum parágrafo nas Escrituras que revele mais profundamente as profundezas e alturas da vida cristã do que os primeiros onze versículos do primeiro capítulo de 2 Pedro.

¹Simão Pedro, servo e apóstolo de Jesus Cristo, aos que conosco alcançaram fé igualmente preciosa pela justiça do nosso Deus e Salvador Jesus Cristo:

²Graça e paz vos sejam multiplicadas, pelo conhecimento de Deus, e de Jesus nosso Senhor;

³Visto como o seu divino poder nos deu tudo o que diz respeito à vida e piedade, pelo conhecimento daquele que nos chamou pela sua glória e virtude;

⁴Pelas quais ele nos tem dado grandíssimas e preciosas promessas, para que por elas fiqueis participantes da natureza divina, havendo escapado da corrupção, que pela concupiscência há no mundo.

⁵E vós também, pondo nisto mesmo toda a diligência, acrescentai à vossa fé a virtude, e à virtude a ciência,

⁶E à ciência a temperança, e à temperança a paciência, e à paciência a piedade,

⁷E à piedade o amor fraternal, e ao amor fraternal a caridade.

⁸Porque, se em vós houver e abundarem estas coisas, não vos deixarão ociosos nem estéreis no conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo.

⁹Pois aquele em quem não há estas coisas é cego, nada vendo ao longe, havendo-se esquecido da purificação dos seus antigos pecados.

¹⁰Portanto, irmãos, procurai fazer cada vez mais firme a vossa vocação e eleição; porque, fazendo isto, nunca jamais tropeçareis.

¹¹Porque assim vos será amplamente concedida a entrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.

E o ponto ao qual nos referimos agora fica perfeitamente claro nestes versículos. O quinto versículo é uma injunção para crescer na graça, mas os versículos anteriores nos dão o ponto de vista a partir do qual esse crescimento deve começar. É nada menos que a experiência da santificação. As pessoas a quem isto é dirigido são reconhecidas como tendo já “escapado da corrupção que há no mundo pela luxúria” e já tendo “se tornado participantes da natureza divina”.

Esses dois fatos constituem o todo da santificação. É essa experiência pela qual nos tornamos unidos a Cristo num sentido tão divino e pessoal que nos tornamos participantes de Sua natureza, e a própria pessoa de Cristo, através do Espírito Santo, vem habitar em nossos corações, e Sua habitação torna-se para nós a substância e o suporte de nossa vida espiritual. A alma convertida é um espírito humano nascido do alto pelo poder do Espírito Santo. A alma santificada é aquele espírito humano totalmente entregue e totalmente possuído e ocupado pela presença habitante de Deus, de modo a ser capaz de dizer: “Não mais eu, mas Cristo vive em mim”. O efeito disso é libertar-se “da corrupção que há no mundo pela luxúria”. A habitação de Deus exclui o poder do pecado e do desejo maligno, que é exatamente o que a palavra luxúria significa. Os tempos gregos aqui não deixam espaço para dúvidas sobre a questão do tempo e da ordem dos acontecimentos. Esta libertação da corrupção precede a ordem de crescimento e é a própria base dessa ordem. Pois a palavra traduzida “além disso”, como Alford tão alegremente mostra, significa algo totalmente diferente, a saber, “por esta mesma razão”, isto é, porque Deus providenciou para a nossa santificação, e nos comunicou Sua natureza e nos libertou da poder do pecado, por esta mesma razão devemos crescer.

É muito evidente, portanto, que não crescemos na santificação, mas crescemos da santificação para a maturidade. Isto corresponde exatamente à descrição do crescimento do próprio Cristo na abertura do evangelho de Lucas. “O menino cresceu e se fortaleceu em espírito, cheio de sabedoria, e a graça de Deus estava sobre ele”. Certamente ninguém ousará dizer que Ele cresceu em santificação. Ele foi santificado desde o início. Mas Ele era uma criança santificada e cresceu até a idade adulta. E ainda mais tarde, em Lucas 2: 5, é acrescentado que, aos doze anos de idade, “Jesus crescia em sabedoria, e em estatura, e em graça diante de Deus e dos homens”.

E assim se forma o mesmo Cristo em cada um de nós; é formado como um bebê e cresce, como Ele fez na terra, até a maturidade em nossa vida espiritual, e crescemos em uma união mais estreita com Ele e em uma dependência mais habitual e íntima Dele em todas as nossas vidas e ações.

Amado, chegamos ao ponto inicial do crescimento espiritual ao recebermos Cristo como nosso santificador e vida interior?

II. A RELAÇÃO DO CRESCIMENTO COM AS DISPOSIÇÕES E RECURSOS DA GRAÇA DIVINA

A mesma bela passagem também revela isso com grande plenitude e definição. “Conforme o Seu divino poder nos deu todas as coisas que pertencem à vida e à piedade, através do conhecimento daquele que nos chamou para a Sua glória e virtude. Por meio das quais nos são dadas grandes e preciosas promessas” (v.3-4). Aqui somos ensinados que Deus providenciou todos os recursos necessários para uma vida cristã santa e madura. Estes recursos nos são fornecidos através da graça e da virtude de nosso Senhor Jesus Cristo, que somos chamados a receber e partilhar. “Ele nos chamou”, não para nossa glória e virtude, mas “para Sua glória e virtude”. É o mesmo pensamento que o apóstolo expressa em sua primeira epístola, 2: 9: “Para que mostreis as excelências daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz”. Não “os louvores a Ele”, que obviamente é uma má tradução, mas “as excelências”.

Devemos mostrar ao mundo as excelências de Jesus, ou, como foi dito aqui, “a glória e a virtude de Jesus”. Ele nos ama com Seu caráter e em Suas vestes, e devemos exibi-las aos homens e aos anjos. E essas provisões da graça são colocadas ao nosso alcance por meio de todas as “grandes e preciosas promessas”, que podemos reivindicar e transformar em moeda celestial para todas as bênçãos necessárias.

Esta é a concepção da vida cristã dada no primeiro capítulo do evangelho de João, naquela maravilhosa e pequena expressão “graça por graça”. Isto é, toda graça que precisamos exercer já existe em Cristo e pode ser transferida dele para nossa vida, à medida que “recebemos de Sua plenitude, graça por graça”. Lá no monte, Moisés foi chamado para ver e estudar um modelo do Tabernáculo, correspondendo em maior grau aos modelos que você pode ver no Escritório de Patentes em Washington de todas as diferentes máquinas que foram patenteadas e construídas. Algumas semanas depois, o mesmo Tabernáculo poderia ser visto subindo aos poucos no vale abaixo e, quando concluído, era um fac-símile exato do outro mostrado a Moisés no monte; pois a ordem explícita de Deus era: “Cuidado, faça todas as coisas de acordo com o modelo que lhe foi mostrado no monte”. Correspondente a isso está o tabernáculo que Deus está construindo em cada uma de nossas vidas. É uma estrutura tão celestial quanto a outra e muito mais importante, e destina-se a ser, como é, a morada de Deus. Também ela tem o seu modelo no monte, e podemos ver, pelos olhos da fé, o modelo da nossa vida, o padrão, o plano de todas as graças que exemplificamos e a vida que deve ser edificada, elaborada e estabelecida. Todos os materiais para a nossa construção espiritual já estão aí, já foram fornecidos, e todo o projeto foi totalmente executado no propósito de Deus e nas provisões de Sua graça. Mas temos de aproveitar estes recursos e materiais, momento a momento, passo a passo, e transferi-los para as nossas vidas. Não temos que fazer nós mesmos as graças, mas tomá-las, usá-las, vivê-las e exibi-las. “De Sua plenitude recebemos graça por graça”, Sua graça por nossa graça, Seu amor por nosso amor, Sua confiança por nossa confiança, Seu poder por nossa força.

Numa fábrica inglesa você encontra inúmeros modelos de casinhas de ferro, compostas por centenas de seções aparafusadas e permanecendo exatamente como apareceriam quando erguidas em seu local permanente. O comprador de uma colônia distante, onde a madeira é escassa e é necessário usar o metal, chega e compra uma dessas casas e ordena que seja enviada para a Austrália, com a condição de que corresponda em todos os detalhes ao modelo mostrado no pátio de Londres. O pedido é atendido e, alguns meses depois, você poderá ver o fac-símile idêntico em um gramado agradável em Melbourne ou Sydney, ou algumas semanas antes, você poderá ver as seções chegarem peça por peça, e as diferentes peças aparafusadas até que o edifício esteja pronto, completo e semelhante em todos os detalhes ao modelo londrino. Todos os materiais foram enviados da cidade distante, e a estrutura foi montada conforme o modelo, peça por peça. Isto ilustrará o que João quis dizer com “graça por graça”. Cristo tem, em Si mesmo, o padrão da sua vida e da minha, e de todo o material necessário. Nossa parte é simplesmente recebê-los, vivê-los e exemplificá-los diante do mundo.

III. RELAÇÃO DO CRESCIMENTO ESPIRITUAL COM A NOSSA PRÓPRIA RESPONSABILIDADE E ESFORÇOS

Embora seja verdade, por um lado, que todos os recursos são divinamente fornecidos, isso não justifica, da nossa parte, um espírito de negligência passiva, mas convoca-nos ainda mais à diligência e ao zelo no avanço na nossa carreira espiritual. Por isso o apóstolo acrescenta, após esta enumeração fortemente enfatizada dos recursos da graça de Deus: Dando toda a diligência, aumente a sua fé, propósito e poder, e uma energia extenuante e incessante da nossa parte em encontrá-Lo com a cooperação da nossa fé, vigilância e obediência. Na verdade, as próprias provisões da graça de Deus são feitas, pelo apóstolo, pela base de sua exortação para dar atenção sincera a este assunto. Por esta mesma razão, isto é, porque Deus providenciou tão abundantemente para nós, e está trabalhando tão poderosamente em nossas vidas e corações, e nos desenvolvendo a partir do poder do pecado, por esta mesma razão, “acrescente à sua fé”, a virtude, a ciência, a temperança, a paciência, a piedade, o amor fraternal, e a caridade.

É o mesmo pensamento que Paulo expressou em Filipenses: “Operai a vossa salvação com temor e tremor. Porque é Deus quem opera em vós o querer e o efetuar, segundo a Sua boa vontade.” Isto não significa que devemos trabalhar pela nossa salvação, pois somos representados como já salvos, caso contrário não poderia ser “nossa própria salvação”. Mas ainda está em embrião e na infância, um princípio interior de vida que deve ser desenvolvido em seu pleno desenvolvimento e maturidade em todas as partes de nossa vida, e a isso devemos “dar toda a diligência”, uma diligência, de fato, que muitas vezes chega ao extremo do “temor e do tremor”, um sentido santo e solene de responsabilidade para aproveitar ao máximo os nossos recursos e oportunidades espirituais, porque “é Deus que opera em nós”. É como se, com o dedo de advertência solene levantado, Ele estivesse de pé e olhando em nossos olhos e dizendo: “Deus veio. O Todo-Poderoso tomou conta deste assunto. O Eterno Jeová empreendeu a obra, portanto, preste atenção no que você faz! Que não haja negligência, nem negligência de sua parte em encontrá-Lo e proporcionar-Lhe a maior oportunidade de cumprir em você todo o bom prazer de Sua vontade e o cumprimento de Seu elevado e poderoso propósito para sua alma”.

Em nossa lição da Escola Dominical, nas últimas semanas, tivemos um pensamento muito solene, cujo ponto mais impressionante talvez tenha escapado ao pensamento de alguns de nós. Está em conexão com a parábola dos talentos, e o pensamento a que nos referimos é a verdade óbvia ali revelada, que a cada servo é dada, no início de sua vida espiritual, uma medida igual de recurso espiritual, e que a diferença nas questões das vidas humanas não se encontra na medida desigual de graça e poder concedidos do alto, mas na medida desigual em que eles melhoraram o poder concedido. Um talento é dado a cada servo, mas no final, um servo negociou tanto com seu talento que ele cresceu para dez, enquanto seu vizinho tem o mesmo talento embrulhado em um guardanapo, inalterado, sem melhoramento. A diferença reside inteiramente na diligência dos dois homens. Aquele que “com toda a diligência” acrescentou à sua fé a virtude, o conhecimento, a temperança. O outro simplesmente tentou guardar o que ganhou e provavelmente cuidou muito bem dele, talvez embrulhando-o em um lenço caro, ou colocando-o em uma gaveta secreta ou em um lugar digno, mas não fazendo nada para aumentá-lo. “A manifestação do Espírito é dada a cada homem”, diz o apóstolo, “para o seu proveito”. Esta expressão, “lucrar”, traz consigo a mesma ideia do comércio na parábola dos talentos e de “toda diligência” da epístola de Pedro.

Amado, estamos “dando toda a diligência” para aproveitar ao máximo os recursos divinos de Deus, das “grandes e preciosas promessas”, da “natureza divina” dentro de nós?

IV. A RELAÇÃO ENTRE OS VÁRIOS DETALHES E A RESPECTIVA GRAÇA NA NOSSA VIDA CRISTÃ

O versículo empregado para descrever nosso progresso espiritual é muito incomum e cheio de sugestões requintadas. É uma figura musical, e todos sabemos que não há nada que expresse tão perfeitamente a ideia de harmonia e ajuste como a música. Parafraseada no significado inglês da figura, a passagem pode assim ser lida: “Adicione à sua fé, virtude, conhecimento, temperança, etc., assim como em uma harmonia musical perfeita uma nota é adicionada a outra até que o majestoso Coro do Aleluia aumente para céu sem uma parte discordante ou falta de medida”.

Nos festivais nacionais gregos, era costume que algum indivíduo proeminente e talentoso organizasse um coro ou um espetáculo musical especial, e aquele a quem era confiada esta alta responsabilidade era chamado o “Choregos”. Disto deriva a nossa palavra coro. Ele era realmente o maestro e sua função era combinar as vozes, os instrumentos e as composições musicais de maneira a produzir o efeito mais perfeito e a harmonia mais completa. Assim, o verbo grego baseado nesta palavra, “Epichorego” – traduzido como acrescentai, significa apenas combinar como uma harmonia musical, ou como um mestre de coro combinaria as notas, os instrumentos, as vozes e todas as partes numa performance esplêndida. Este é o belo verbo traduzido de maneira imperfeita. Uma figura seca de aritmética é infelizmente substituída por uma sugestiva metáfora musical.

Talvez já tenhamos antecipado o belo pensamento que está por trás desta figura, a saber: que Deus deseja que o nosso crescimento cristão seja como o crescimento de um oratório sublime, um crescimento em que todas as partes estão tão misturadas e todo o efeito tão harmonioso que nossa vida será como uma canção celestial ou um Coro de Aleluia. A fé é a melodia, mas a ela se acrescentam todas as outras partes, a coragem que atinge o tenor agudo, a temperança talvez o contralto médio, a paciência o baixo profundo, e o conhecimento, a piedade e o amor, o cântico propriamente dito, para o qual toda a música é apenas o acompanhamento. É fácil crescer em uma direção e ser forte em uma peculiaridade, mas somente a graça de Deus e o poder da natureza Divina interior podem nos capacitar a crescer até Ele em todas as coisas, “até a medida da estatura de Deus, a plenitude de Cristo”. Uma coisa é ter fé e coragem, outra coisa é ter isso misturado com temperança e amor. Uma coisa é ter autocontrole, outra coisa é tê-lo combinado com conhecimento. Uma coisa é ter bondade fraternal, outra bem diferente é ter caridade para com todos os homens. Uma coisa é ter piedade, outra é tê-la em perfeito ajuste com o amor. É a harmonia entre todas as partes que constitui a perfeição do canto e a plenitude da vida cristã.

Amado, talvez Deus tenha educado você em cada uma dessas graças, mas agora Ele está educando você na combinação dessas virtudes em perfeita proporção, para que o vosso amor se torne suave e como um rosto perfeitamente proporcionado, não tão marcado em qualquer dos seus traços individuais como em toda a expressão do semblante. Na verdade, os rostos mais bonitos são por vezes tão proporcionais que mal conseguimos lembrar-nos de uma única característica, e talvez as melhores composições musicais sejam aquelas que deixam os efeitos mais simples e são menos impressionantes por qualquer compasso específico do que pela requintada doçura e simplicidade do todo. Este é o significado celestial trazido à tona na preposição “em” durante toda esta progressão.

Não se trata de acrescentar coragem à sua fé, mas “na sua fé a coragem, o conhecimento, a temperança, etc.” É na mistura e no tempero de uma graciosa virtude com outra que consiste o poder do todo. É o acréscimo de coragem junto com a fé que torna a fé eficaz. É o acréscimo do autocontrole junto com a paciência que o impede de se tornar fanatismo e zelo sem conhecimento. É na qualidade da temperança e do autocontrole aliado ao conhecimento que se desenvolvem os elementos da discrição e da sabedoria. Mas o autocontrole e a abnegação precisam de paciência para evitar que sejam explosões transitórias e para lhes dar permanência e estabilidade. Todas essas qualidades sem piedade nos deixariam em um plano inferior, mas isso eleva todas elas ao céu e faz de todas elas um sacrifício vivo no altar de Sua glória. Mas mesmo a piedade por si só nos deixaria estreitos e frios, e por isso Deus exige de nós a ligação interior com os nossos irmãos e a cultura destas qualidades sociais, que nos leva a uma comunhão amorosa uns com os outros e nos eleva para fora de nós mesmos para a bondade fraternal, esse é o amor dos irmãos, o amor do povo de Cristo. E, no entanto, mesmo isto não estaria completo se o círculo não fosse alargado muito além do alcance do povo de Cristo e dos nossos irmãos no Senhor, para compreender o mundo inteiro no âmbito de uma caridade que pode amar, assim como Deus ama, os indignos, os pouco atraentes e até mesmo aqueles que nos odeiam e nos repelem.

É muito bonito notar os delicados matizes do caráter santo que o Novo Testamento expressa. Por exemplo, quantas palavras o Espírito Santo nos deu para as diversas formas de amor e paciência. Aqui estão alguns deles: amor, caridade, bondade fraternal, ternura, mansidão, longanimidade, paciência, tolerância, unidade, paz, cortesia, gentileza, considerar uns aos outros, preferir uns aos outros com honra, afeiçoar-se gentilmente uns aos outros, etc. Eles são como muitos tons finos de cores, todos da mesma classe, mas não existem dois exatamente iguais. Assim, Deus está temperando as nossas vidas e esta é uma grande parte do crescimento cristão.

Diz-se que um grande escultor foi visitado duas vezes por um amigo, com intervalo de vários meses. O amigo ficou surpreso ao descobrir que seu trabalho não parecia mais avançado. “O que você tem feito?” “Ora”, disse ele, “tenho tocado nessa característica, arredondando aqui, talhando acolá”. “Ora”, respondeu, “mas tudo isso são ninharias, meros toques!” “Sim”, disse o artista, “mas estes fazem a perfeição e a perfeição não é pouca coisa.” É uma história antiga, mas uma lição espiritual que está longe de ser desgastada. Deus nos mantém às vezes por anos aprendendo alguns toques do celestial, o que constitui a diferença entre a imagem de Cristo e a imagem errada e quebrada de um homem imperfeito.

V. A RELAÇÃO DO CRESCIMENTO COM A NOSSA SEGURANÇA E FIRMEZA NA VIDA CRISTÃ

Não é uma questão de preferência pessoal se cresceremos ou não. É uma questão de necessidade vital, pois só assim poderemos evitar retroceder. Isto o apóstolo sugere em nosso texto áureo: “Cuidado para que vocês também, sendo levados pelo erro dos ímpios, não caiam da sua própria firmeza. Mas cresçam na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2 Pe 3;18). O crescimento é o remédio para o declínio e devemos sempre crescer ou retroceder. Assim, em 1 Pedro 2: a mesma verdade é exposta. “Se fizerdes estas coisas, nunca caireis. Aquele que não tem essas coisas é cego e não pode ver ao longe, e esqueceu que foi purificado de seus antigos pecados.” Essa é a própria experiência da conversão – ela desaparece e se torna apenas uma vaga lembrança, a menos que prossigamos para coisas mais profundas e superiores.

Infelizmente! Não vimos todos nós às vezes homens que eram verdadeira e maravilhosamente convertidos e muito usados por Deus para a conversão até mesmo de outros, e ainda assim homens que se recusaram a passar para experiências mais elevadas, e às vezes até exploraram a doutrina e a experiência da santificação como uma afetação ou fanatismo. Infelizmente! chegou o dia em que até mesmo sua experiência de conversão desapareceu, pelo menos por um tempo, e eles mergulharam em alguma queda profunda e amarga que os obrigou a ver a necessidade de algo mais elevado. Não é possível permanecermos com segurança em qualquer experiência estereotipada. Na verdade, é necessário que cresçamos com um movimento acelerado e progridamos mais rapidamente à medida que continuamos na vida cristã.

E assim temos uma figura muito forte mesmo nesta passagem expressando esse pensamento. A palavra traduzida como “abundar” em nossa versão, no grego é “multiplicar”. “Se estas coisas estiverem em vós e se multiplicarem, elas vos farão que não sejais estéreis nem infrutíferos no conhecimento de nosso Senhor Jesus”. Não deixemos de notar a notável antítese do “acrescentar” no versículo 3 e do “multiplicar” no versículo 8. Todos nós sabemos em aritmética a diferença entre adição e multiplicação. A adição de nove a nove dá dezoito, mas a multiplicação de nove por nove inverte os números e dá oitenta e um, ou quase cinco vezes mais. Tudo depende do tamanho do multiplicador. Na aritmética espiritual o multiplicador é Deus e infinitamente superior aos dígitos mais elevados do cálculo humano. Deus simplesmente pega o coração rendido e se une a ele, e o resultado é tantas vezes maior que ele mesmo quanto Deus é maior que o homem.

Amado, iremos satisfazer a expectativa e a provisão de Deus e prosseguir de graça em graça e de glória em glória?

VI. A RELAÇÃO DO CRESCIMENTO COM A RECOMPENSA

O apóstolo continua o pensamento até a consumação sublime, quando todas as lutas e provações do tempo tiverem passado e estaremos entrando no porto eterno e entrando nas questões eternas de nossas vidas atuais. Então nenhuma luta será considerada muito severa, nenhuma abnegação será lamentada, nenhuma vitória penosa e paciente será lembrada como muito penosa, mas essas mesmas coisas constituirão a extraordinária alegria e recompensa de nosso eterno retorno ao lar. “Pois assim”, diz ele, “uma entrada vos será abundantemente ministrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo”.

Como ilumina toda essa passagem com uma glória maravilhosa lembrar que a palavra grega usada aqui para descrever nossa entrada no reino é a mesma palavra grega usada com respeito ao “acréscimo” à nossa fé de virtude, conhecimento, temperança, piedade e todo o conjunto de graças celestiais. É a bela metáfora do “choregos”. Não é que uma entrada abundante seja meramente ministrada a nós, mas a idéia é que todo um coro de vozes e harmonias celestiais nos cantará em casa, e que entraremos como guerreiros retornando em procissão triunfal de uma vitória duramente conquistada e gloriosa. Não se trata apenas de um coro que virá ao nosso encontro, mas é o mesmo coro que nós próprios reunimos à nossa volta no nosso conflito terreno. A plenitude da graça, as virtudes, as vitórias, os triunfos da paciência e do amor que conquistamos e que talvez tivéssemos esquecido, estarão todos à nossa espera, como tropas de anjos, e todos se reunirão à nossa volta e se integrarão no coro e todos se reunirão em torno de nós e farão parte do coro de alegria que celebrará o nosso regresso ao lar.

Às vezes, Deus nos dá um gostinho dessa alegria extática na terra, quando algum ministério de amor que há muito tínhamos esquecido volta à nossa lembrança, como fomos o meio usado para salvar o amigo, ou alguma palavra ou ação é lembrada, ou pelo testemunho de alguém a quem abençoamos por meio de um ato de abnegação ou fidelidade; e descobrimos, um quarto de século depois, que o pequeno serviço tem viajado pelo mundo e abençoado centenas de pessoas no caminho. Somos fundidos em admiração agradecida e louvor de adoração.

Mas estas são apenas aproximações do que será então, quando tudo o que fomos autorizados a sofrer e fazer por Jesus for encontrado esperando por nós no limiar da glória, e nos conduzirá em procissão triunfal ao reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Oh, como nos regozijaremos por termos sido autorizados a sofrer e sacrificar-nos por Jesus! Oh, como alguns desejarão ter mais uma vez a oportunidade de receber tão boas-vindas e obter uma recompensa tão grande. Amado, nada que ganhamos para Deus pode ser perdido. Oh, que o Mestre nos ajude, “dando toda a diligência”, a aproveitar ao máximo a vida e todas as suas oportunidades e recursos de graça e a acumular para nós mesmos tesouros no alto que nunca desaparecerão.

* Este texto é o capítulo X do livro “Uma Vida Cristã mais Profunda”

Tradução: Eduardo Vasconcellos

Editora Sal Cultural - Coleção Grandes Temas da Teologia

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