Por Carlos Augusto Vailatti 

O conhecido autor calvinista, J. I. Packer, em um ensaio intitulado Predestination in Christian History (A Predestinação na História Cristã) referiu-se a John Wesley como “um calvinista confuso”.[i] Segundo Packer, Wesley “insistiu que era arminiano porque queria afirmar o convite universal do evangelho e o amor de Deus expresso no evangelho”, mas, arrematou ele, “calvinistas também fazem isso!”.[ii]

Entretanto, as declarações de Packer demonstram claramente que se houve “um calvinista confuso” nessa história, esse alguém foi sem dúvida alguma ele próprio, e não Wesley, pois, de acordo com o Calvinismo, “não é propósito de Deus salvar todos os homens”.[iii] Desse modo, conclui esse sistema teológico que “Cristo não morreu por todos os homens! A expiação é limitada! A redenção é particular! Só a eleita noiva de Cristo (a Igreja) é objeto do amor  de Deus”.[iv] E se alguém acha que estas declarações não representam corretamente o Calvinismo, então que leia um de seus mais famosos documentos, denominado Cânones de Dort, que em seu Cap.I, Art.15, declara o seguinte: “A Escritura Sagrada mostra (…) que nem todos os homens são eleitos [para a salvação]; alguns, pois, são preteridos na eleição eterna de Deus. De acordo com Seu Soberano, Justo, Irrepreensível e Imutável bom propósito [‘bom’ para quem?], Deus decidiu deixá-los na miséria comum em que se lançaram por sua própria culpa, não lhes concedendo a fé salvadora e a graça da conversão“.[v]

Tais afirmações, além de serem chocantes, contradizem flagrantemente o tipo de “convite universal do evangelho” e de “amor de Deus expresso no evangelho” que Packer alega ser defendido pelos calvinistas. Portanto, diante de todas estas declarações evidentemente conflitantes, pergunto: Pode um calvinista afirmar de forma sincera e genuína “o convite universal do evangelho” e “o amor de Deus expresso no evangelho” a todas as pessoas, se o próprio Deus, de acordo com a soteriologia calvinista, elege incondicionalmente apenas alguns e não outros para a salvação? Bem, para ser bastante franco, não vejo como tal oferta do evangelho possa ser feita a todos de forma sincera. Além disso, não entendo como o evangelho pode ser visto como o anúncio das “boas novas”, se o conteúdo de tal proclamação envolve a eleição incondicional de apenas alguns indivíduos para a salvação e a reprovação e o respectivo destino de outros ao inferno. Estas não seriam “boas novas”, mas sim “péssimas notícias”!

Mas, e quanto a Wesley? Ele realmente foi “um calvinista confuso” como afirmou Packer, ou foi um arminiano convicto? Apesar de Wesley nunca ter escrito nenhum compêndio de Teologia Sistemática, contudo, a sua teologia está claramente delineada em seu diário e também nos comentários, notas, sermões e demais publicações que nos legou. Entre os seus sermões, merece destaque aquele intitulado On Free Grace (Sobre a Graça Livre), pregado em Bristol, em 1740, no qual Wesley declara, por exemplo, que “Cristo morreu, não apenas por aqueles que são salvos, mas também por aqueles que perecem”.[vi] Tal declaração mostra o quão distante Wesley estava do tipo de “convite universal do evangelho” e de “amor de Deus expresso no evangelho” supostamente pregados pelo Calvinismo, “amor” este que, segundo Wesley, “nos faz gelar o sangue nas veias”.[vii]

Apesar de crer na doutrina da Depravação Total, assim como Calvino, no entanto “Wesley considerava as doutrinas de Calvino – a eleição incondicional, a graça irresistível e a dupla predestinação – ofensivas ao caráter de Deus, que é amor” e, além disso, “chegou a ponto de declarar a opinião de que essas doutrinas eram uma blasfêmia, porque tornam difícil distinguir entre Deus e o diabo”.[viii] Quanto à doutrina acerca da “segurança da salvação”, Wesley divergiu de Armínio, pois, para este último, “estabelecer a extensão dos limites desta segurança [da salvação], [deveria ser] um assunto de investigação em nossa convenção”.[ix] Já para Wesley, “o testemunho do Espírito Santo não era (…) a certeza incondicional da posterior salvação”, pois, argumentava ele, “ao aceitar a liberdade e a responsabilidade do homem como ponto de partida na vida cristã, o Espírito Santo não podia posteriormente despojá-lo dessas prerrogativas”, de modo que “a possibilidade da apostasia, tão claramente ensinada nas Escrituras, é uma admoestação constante a todos”.[x]

Ora, mas se todos estes dados ainda não são suficientes o bastante para demonstrar as convicções contundentemente arminianas de Wesley, voltemos então a nossa atenção para a declaração de Maddox, segundo quem, “para (…) sublinhar suas diferenças dos calvinistas, John Wesley fundou sua Revista Arminiana em 1778. Ele tinha prazer de chamar a si mesmo de arminiano (…)”.[xi]

Diante de tudo quanto foi dito, não há como negar o fato incontestável de que os ensinamentos de Wesley eram acentuadamente arminianos, jamais calvinistas. Aliás, creio que não cometeria nenhum exagero se dissesse que, em certo sentido, a única semelhança entre Calvino e Wesley residia apenas no mesmo prenome de ambos. Todavia, se o primeiro João enfatizou a soberania de Deus em sua teologia, o segundo João, por sua vez, sem nunca negar esse aspecto essencial da divindade, também ressaltou a centralidade do amor genuíno de Deus para com toda a humanidade em sua pregação e ensino.

Portanto, a tentativa de Packer de “calvinizar” Wesley se mostrou malsucedida. Assim, só podemos fazer coro com Olson quanto ao fato de que “a teologia de Wesley era completamente arminiana”,[xii] de maneira que este mereceu com justiça o título que Charles Spurgeon certa vez lhe conferiu, chamando-o de “o príncipe dos modernos arminianos”.[xiii]

[i] Cf. J. I. Packer, Predestination in Christian History. In: WALLS, Jerry L. & DONGELL, Joseph R. Why I am Not a Calvinist. Downers Grove, InterVarsity Press, 2004, p.154.
[ii] Idem, Ibidem, p.154.
[iii] OWEN, John. Por Quem Cristo Morreu? São Paulo, PES, 1996, p.44.
[iv] SPENCER, Duane Edward. TULIP. São Paulo, Casa Editora Presbiteriana S/C, 1992, pp.45-46.
[v] Os Cânones de Dort. São Paulo, Editora Cultura Cristã, S.d., p.22. Os acréscimos entre colchetes e os itálicos são meus.
[vi] WESLEY, John. Sermons on Several Occasions. [Vol.I]. London, J. Emory and B. Waugh, 1829, p.583.
[vii] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. São Paulo, Editora Reflexão, 2013, p.146.
[viii] OLSON, Roger. História da Teologia Cristã. São Paulo, Editora Vida, 2001, p.524.
[ix] ARMINIUS, James. The Works of James Arminius. Vol.1. Grand Rapids, Christian Classics Ethereal  Library, 2002, p.177. Os acréscimos entre colchetes são meus.
[x] LELIÈVRE, Mateo. João Wesley: Sua Vida e Obra. São Paulo, Editora Vida, 1997, pp.364-365.
[xi] MADDOX, Graham. [Ed.]. Political Writings of John Wesley. Bristol, Thoemmes Press, 1998, p.24.
[xii] OLSON, Roger. História da Teologia Cristã, p.524.
[xiii] SPURGEON, Charles Haddon, SPURGEON, Susannah & HARRALD, Joseph. The Autobiography of Charles H. Spurgeon: 1834-1854. Edinburgh, F. H. Revell, 1898, p.176.

Editora Sal Cultural - Coleção Grandes Temas da Teologia

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