Lições Aprendidas de Carlos Wesley e S. T. Kimbrough Jr.

Por Stanley Hauerwas

O metodismo, no início um movimento entre aqueles “não abastados”, se tornou um exemplo de cristianismo burguês. O metodismo é a fé da classe média. Essa caracterização não faz justiça ao metodismo britânico. Na Inglaterra, onde a estrutura social é bem definida e reconhecida, a disciplina metodista ajudou que muitos saíssem da pobreza e alcançassem uma vida bem estabilizada, mas sua classe social de origem continuou a determinar como os metodistas se viam. Como resultado, o metodismo na Inglaterra se identificou como sendo o Partido dos Trabalhadores[1] de joelhos. Pelo menos esse era o caso quando o Partido dos Trabalhadores era o partido de pessoas como Tony Benn.

O caráter de classe média do metodismo nos Estados Unidos não resultou em uma política como a do Partido dos Trabalhadores. O metodismo estadunidense, ou pelo menos o metodismo no início da virada do último século, se identificou com aquelas pessoas que tinham orgulho de que seu trabalho duro as tornou pessoas respeitáveis. Eles não necessariamente se viam como classe média. Pelo contrário, elas pensavam que não eram nem muito ricas, nem muito pobres. Elas simplesmente tinham “o suficiente”. O “suficiente” que tinham, entretanto, elas tinham certeza de que mereciam. Eram pessoas generosas, dispostas a compartilhar algo do seu “suficiente” com aqueles que não tinham “o suficiente”. Mas elas não se preocupavam em dar o que tinham àqueles que pareciam não ter desejo algum de deixar de ser pobres.

Eu estou, é claro, caracterizando o que se tornou conhecida como a corrente principal do metodismo. O metodismo produziu outros movimentos, tais como os Metodistas Livres, os Nazarenos, e o Exército da Salvação. Essas ramificações foram constituídas por pessoas da classe operária, cujos empregos ou finanças não seriam o suficiente para identificá-los com a classe média. Da mesma forma, elas ainda se identificavam com o trabalhador pobre.

Minha descrição da vertente principal do metodismo nos Estados Unidos parece não levar em conta o envolvimento de metodistas enquanto indivíduos e igreja no movimento do Evangelho Social. Sem dúvida alguma, os metodistas estavam entre os fundadores em organizações criadas por defensores do Evangelho Social. Mas o Evangelho Social foi primordialmente um movimento da classe média. Assim, os defensores do Evangelho Social, em nome da luta contra a pobreza estrutural, buscaram desenvolver políticas sociais que pudessem ser implementadas pelos governos a fim de erradicar a pobreza. A importância de tal estratégia não pode ser ignorada, mas ela é, ainda assim, uma estratégia de uma igreja burguesa e da ordem social. O dever cristão é agora entendido como fazer com que governos realizem aquilo que os cristãos já não mais tinham certeza se os cristãos e as igrejas estavam dispostos a fazer.

Parto dessas observações sobre o metodismo porque espero que elas nos ajudem a apreciar o significado da obra de S. T. Kimbrough Jr. sobre o compromisso de Carlos Wesley com o pobre. Claro, Kimbrough disse que o precisava ser dito em suas conclusões sobre as implicações do modelo de Carlos Wesley para a obrigação da igreja para com o pobre no século XXI. Tenho muito pouco a acrescentar à ênfase dada por ele à importância do cuidado constante, da aquisição de virtudes, da vida dependente da graça divina, como também da importância da memória para entender por que e como o pobre deve ser o centro da vida da igreja. Minha tarefa, no entanto, é opinar por que as sugestões de Kimbrough sobre as implicações do entendimento de Carlos Wesley do dever dos cristãos de pregar o Evangelho para o pobre resulta numa posição teológica que foi grandemente perdida quando os metodistas se tornaram uma igreja de classe média.

A imaginação de uma igreja de classe média com relação ao pobre é limitada pela suposição de que a tarefa da igreja é fazer com que o pobre se torne abastado o suficiente para se tornar classe média. Portanto, a igreja e os cristãos pensam no pobre principalmente como pessoas que precisam que algo seja feito para ou por eles. Nesse processo, “o pobre” se torna uma abstração. Nós não precisamos conhecer aqueles que identificamos como pobres, nós não precisamos ouvir os pobres, nós, isto é, a igreja, precisamos apenas fazer algo pelos pobres. Nós simplesmente não conseguimos imaginar que talvez precisemos estar com os pobres. Mas porque não conseguimos imaginar o que possa significar estar com os pobres, nós também não conseguimos imaginar o que poderia significar estar com Cristo.

O que Kimbrough nos ajuda a entender é isto: Carlos Wesley percebeu claramente que a forma pela qual o pobre é visto é uma questão cristológica. Para Carlos Wesley, o pobre não poderia ser transformado numa abstração porque Cristo não pode ser transformado numa abstração. É por isso que sua poesia, que celebra a vida de pessoas que se recusaram a abandonar os pobres, é tão importante. Elas testemunham Daquele que uma vez foi pobre e que Se importou com os pobres.

Faremos bem se prestarmos particular atenção ao poema de Carlos Wesley:

Salvador, quão poucos são
Que compartilham de Tua condição,
Poucos, que cordialmente abraçam,
Tua pobreza amam, e prezam,
Desejam na terra um lugar de descanso,
Necessitados e resignados como Tu!

O que impacta aquele que lê a obra de Kimbrough sobre o entendimento de Carlos Wesley acerca de nosso dever para com os pobres é que, para este, os destituídos eram pessoas de verdade; eles eram pessoas com quem se preocupar, mas igualmente importante era a habilidade de se tornar amigo deles. É, afinal de contas, o amor que atrai o pobre para nós, assim como é o amor que atrai o pobre para a igreja. Logo, os pobres não eram simplesmente pessoas de que os cristãos precisavam, para assim poder fazer algum “bem”, mas os pobres eram o povo de Deus que tornava possível celebrar com o Pai a obediência do Filho mesmo em face da morte.

Talvez nada mais torna a obra de Kimbrough acerca do entendimento de Carlos Wesley sobre a Santa Ceia mais convincente do que sua sugestão de que os pobres têm necessidades espirituais, assim como materiais. Não são simplesmente os abastados que precisam estar prontos para vender tudo o que têm, mas também os pobres podem ser possuídos por aquilo que eles não possuem. Por isso, está perfeitamente correto o fato de que Carlos Wesley via sua pregação para os pobres e a participação deles do pão da comunhão com Cristo como sendo constituintes daquilo que a justiça é quando moldada pelo amor, que é a própria vida de Deus. Kimbrough corretamente descreve essa participação como theosis, isto é, a própria participação de nossas vidas na vida de Deus. A theosis é frequentemente compreendida como um ideal inalcançável, mas na visão de Carlos Wesley do que significa ser pobre e estar com o pobre, nós começamos a perceber que esse ideal não é impossível de se realizar, mas é, sim, a própria substância da vida da igreja. A theosis se torna a expressão de Mateus 25. Entendida dessa maneira, nós temos um vislumbre do que significa toda a humanidade ser feita uma através do amor de Deus.

Semelhantemente, o entendimento cristológico de Carlos Wesley do que significa a igreja não apenas se importar com os pobres, mas também ser a igreja dos pobres, deixa claro que a sua visão cristológica do pobre é inseparável de sua visão sobre a igreja. Em particular, é a adoração a Deus que é o cerne do que é para a igreja ser a igreja dos pobres. Pois é na adoração que qualquer diferença entre os pobres e aqueles que não são pobres é posta em questão, e até mesmo de todo removida.

Pode parecer estranho pensar que a primeira responsabilidade da igreja para com o pobre seja proporcionar uma adoração correta a Deus, masa realidade é que são os próprios pobres que sabem, melhor do que outros, aquilo de que eles precisam. Através da adoração, através da beleza da liturgia, eles descobrem, de maneira que aqueles que não são pobres não podem, que não há posição alguma mais significativa para aprender nosso valor do que aprender de joelhos, diante de Deus. Que Kimbrough encerre suas reflexões sobre os relatos de Carlos Wesley acerca de suas pregações e seus cuidados para com os pobres com “recursos para a adoração” é um presente para eles.

Ademais, penso que não seja coincidência que aquele que redescobriu o significado cristológico do pobre tenha sido um poeta. A adoração a Deus depende da linguagem lapidada de almas moldadas pelo amor de Deus — um amor reconhecido mais intensamente por aqueles não saciados pelos bens do mundo. Carlos Wesley foi um poeta extraordinário, cuja obra nos capacitou que cantássemos a verdade de que o pobre e o não-tão-pobre podiam estar unidos, em uma só voz. Por mais estranho que pareça, essa unidade acaba por ser não somente o necessário para que a igreja chamada Metodista se renove, mas também a unidade assim descoberta é a esperança da igreja como um todo, e do mundo.

Stanley Hauerwas é Professor de Ética Teológica do Instituto Gilbert T. Rowe, Escola de Divindade, Universidade Duke Durham, Carolina do Norte

[1] N. da T.: Ou Labor Party, o partido da classe operária da Inglaterra.

Editora Sal Cultural - Coleção Grandes Temas da Teologia

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