Por Glauco Barreira Magalhães Filho

Uma das características marcantes do movimento metodista do século XVIII foi o fervor espiritual ou zelo cristão. Em grande parte, isso decorria do fato de John Wesley ver a experiência da justificação pela fé não apenas como uma libertação das angústias e frustrações resultantes da busca por justiça própria, mas como um caminho para servir a Deus motivado por amor, gratidão e devoção. A fé salvadora foi reconhecida como a “fé que opera pelo amor” (Gálatas 5: 6) e que nos permite dizer “não sou eu quem vive mais, mas Cristo vive em mim” (Gálatas 2: 20). Tratava-se de uma fé pessoal no Jesus que “me amou e se entregou a si mesmo por mim” (Gálatas 2: 20).

O cristianismo é a “religião do coração”, pois é com o coração que se crê (Romanos 10: 10) para do “interior fluírem rios de água viva” (João 7: 38). A justificação pela fé não é divorciada da santificação, antes, ocorre concomitantemente com a regeneração (embora lhe seja anterior do ponto de vista lógico), sendo seguida de uma santificação progressiva e sendo a condição da experiência subseqüente do “perfeito amor”. Assim, apesar de pregar a justificação pela fé, o metodismo do século XVIII tinha por objetivo espalhar santidade pela Igreja Anglicana, por toda a Inglaterra e pelo mundo.

O movimento wesleyano tinha um forte componente místico, inspirado nos pais gregos, mas mantinha o ativismo de uma “religião social” (não político-partidária) e enfatizava o gozo espiritual contra a melancolia de certos religiosos católicos, bem como a vitória contra o pecado ante o pessimismo presente em alguns puritanos.

Para Wesley, o zelo cristão, cujo significado primário é “calor” (o fogo é um dos símbolos metodistas), nunca deve ser confundido com o zelo fanático das perseguições perpetradas por católicos, islâmicos, inquisidores e cruzados. O zelo cristão não pode ser divorciado do amor, o fruto do Espírito e o sinal de identificação da Igreja. De acordo com Paulo (I Cor. 13), a amor é humilde (“não se ensoberbece”), manso, paciente (“tudo sofre”) e se faz acompanhar de tudo que se contém em Gálatas 5: 22.

Em seu sermão Sobre o zelo, John Wesley observa que o zelo cristão também não é compatível com a idolatria:

“… Se o objeto do zelo é aquilo que é bom, então o fervor por alguma coisa má não é zelo cristão. Cito como exemplo a idolatria – adoração de anjos, santos, imagens ou até a cruz. Embora, portanto, uma pessoa esteja tão sinceramente ligada a algum tipo de adoração idólatra que possa até mesmo entregar seu próprio corpo para ser queimado, em vez de se abster disso […] Por favor, não chame isto de zelo, pois é uma coisa totalmente diferente.”

Para o grande líder metodista, o zelo deve ser sempre proporcional ao grau de bondade que há em um objeto, aumentando de acordo com uma escala decorrente da comparação entre as diversas partes da religião.

Todo aquele que teme ao Senhor, deve ter zelo pela igreja, tanto a universal como aquela em que se congrega. O zelo pela igreja local mostra que não é hipócrita o zelo pela igreja universal e o zelo pela igreja universal revela que o zelo pela igreja local não é sectário. O zelo, porém, pelas ordenanças de Deus deve ser maior, isto é, o zelo pela oração pública e particular, pela leitura e audição da Palavra de Deus, pela prática de jejuns e pela participação na Ceia do Senhor. Isso acontece porque sem essas ordenanças não se constitui a igreja e, sem o crescimento espiritual decorrente dessas práticas, não há o discernimento do valor da comunidade cristã.

O zelo pelas obras de misericórdia por sua vez, deve exceder o zelo por obras de piedade. Não faz sentido, por exemplo, deixar de socorrer um aflito em desespero porque é o horário de leitura.

As obras de piedade são obras de santificação pessoal, enquanto as obras de misericórdia são obras de santidade social. As duas são interdependentes, pois é da nossa comunhão com Deus que flui o nosso amor pelo próximo, mas aqui estamos falando de “obras” (não ainda de disposições) e da situação em que as duas espécies de obras concorrem em caráter insuperável, sem a possibilidade de um terceiro termo.

Em Sobre o Zelo, temos o seguinte comentário:

“Deste modo, ele deve mostrar seu zelo pelas obras de piedade, mas muito mais pelas obras de misericórdia, sabendo que Deus quer misericórdia, não sacrifício. Sempre, portanto, que umas interferirem com as outras, as obras de misericórdia devem ser preferidas. Até mesmo a leitura, a audição e a oração devem ser omitidas ou adiadas para que seja cumprido o chamado do Senhor à caridade quando somos chamados para aliviar a angústia de nosso próximo, seja no corpo ou na alma.”

Acima do zelo pelas obras de misericórdia deve estar o zelo pelas “santas disposições”, ou seja, pela humildade, mansidão, resignação e, acima de tudo, pelo amor a Deus e ao próximo, a essência e a perfeição da verdadeira religião. Aqui, Wesley se afasta da mera filantropia humana, asseverando que “os que estão mortos em seus delitos e pecados não têm parte nem quinhão neste assunto”.

Como a teologia de Wesley, herdeira do pietismo, era acima de tudo prática, ele faz seguir a sua descrição da ordem dos zelos de perguntas para auto-exame. Um dos elementos característicos das pregações tanto de Wesley como de George Whitefield e Jonathan Edwards foi a personalização da mensagem para o ouvinte. O ouvinte é confrontado pessoalmente. Não se fala a um público, mas para alguém. O pronome “tu” ou “você” interpela e exige resposta. Não é de surpreender que os “respeitáveis” se sentissem incomodados e muitos fossem contristados para arrependimento.

A conclusão de John Wesley revela o seu senso de moderação e equilíbrio que lhe garantiu o apelido de “metodista”:

“Considere então, toda a religião em conjunto, como Deus a revelou em sua Palavra, e seja uniformemente zeloso por todas as suas partes, segundo o seu grau de excelência. Fundamente todo o seu zelo no único fundamento – Jesus Cristo, e este crucificado (I Cor. 2: 2); apegue-se a este princípio: ‘Esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim’ (Gl. 2:20); cuide para  que seu zelo seja proporcional ao valor do objeto”.

Deus nos faça zelosos do bem!

Editora Sal Cultural - Coleção Grandes Temas da Teologia

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