Por Antonio Reis

Introdução

A depravação total é um conceito que emerge do entendimento agostiniano do pecado original. O pecado original, por sua vez, é derivado do ensinamento bíblico sobre a penalidade que o pecado de Adão trouxe sobre si e sobre sua descendência. Na visão de Agostinho, após o pecado original de Adão e Eva no Jardim – resultando na Queda – toda a Criação existe em um estado degradado ou corrompido do que Deus originalmente pretendia. Alister Mcgrath consegue captar adequadamente o pensamento de Agostinho quando faz a seguinte afirmação:

De acordo com Agostinho, segue-se que todos os seres humanos estão agora             contaminados pelo pecado desde o momento do seu nascimento… Agostinho retrata o pecado como inerente à natureza humana. É um aspecto integral e não opcional de nosso ser… Para Agostinho, a humanidade, deixada a seus próprios recursos, nunca poderia entrar em um relacionamento com Deus. Nada que um homem ou uma mulher pudessem fazer era suficiente para quebrar o domínio do pecado “.[1]

Wesley por ele mesmo

Em uma carta a John Newton, datada de 14 de maio de 1765, John Wesley fez uma declaração que muitos atualmente tomam como surpreendente. Em meio à defesa de seus desentendimentos com as posições calvinistas sobre a doutrina da eleição e a perseverança dos santos, Wesley observou: “Penso em Justificação, tal como fiz em qualquer momento destes vinte e sete anos, assim como Calvino fez. A este respeito, não difiro dele mais que um fio de cabelo”.[2] Tais afirmações encontravam-se apoiadas em sua compreensão da – em congruência com Calvino sobre – doutrina da depravação total. É interessante que Wesley tenha dito que estava por um fio de cabelo de João Calvino, cuja teologia veio a ser expressa em cinco pontos famosos usando o acrostico TULIP. Wesley não concordou com quatro desses pontos, mas sobre a doutrina da depravação total alguns poderiam dizer que ele estava, de fato, a menos de um fio de Calvino. O pensamento calvinista clássico sobre a depravação total diz que o homem está em um estado caído e corrompido devido ao pecado original. Devido a isso, as pessoas são moralmente incapazes de obedecer ou amar completamente a Deus porque estão inclinadas a servir seus próprios interesses sobre Deus. Mesmo atos que parecem altruístas são simplesmente atos disfarçados de ego. Para que alguém seja salvo, Deus tem que predestina-lo para a salvação, porque ele não pode escolher a salvação para si mesmo. Aqui é onde Wesley separa-se de Calvino. Ele afirmou a doutrina da depravação total, mas subscreveu uma visão modificada, acreditando que os seres humanos são capazes de alguma escolha em relação a matéria de sua salvação.

Em seu sermão sobre o Pecado Original podemos ter um bom exemplo da posição de Wesley em relação à possibilidade do homem voltar a Deus à parte da graça de Deus.

“O homem, por natureza, está cheio de todo tipo de mal? Ele está vazio de todo o bem? Ele está completamente caído? Sua alma está totalmente corrompida? Ou, para voltar ao texto, é “cada imaginação dos pensamentos de seu coração apenas o mal continuamente?” Permita isso, e você é até agora um cristão. Negue isso, e você ainda é um pagão”.[3]

Também

“você é corrompido em cada poder, em cada faculdade de sua alma, por ser corrompido em cada poder, em cada faculdade de sua alma, por ser corrompido em cada um desses aspectos, toda a fundação do seu ser está fora de curso. Os olhos do teu entendimento estão escurecidos, de modo que não podem discernir a Deus, ou as coisas de Deus. As nuvens da ignorância e do erro repousam sobre ti, e te cobrem com a sombra da morte. Tu ainda não sabes nada como tu deverias saber, nem Deus, nem o mundo, nem a ti mesmo. Tua vontade não é mais a vontade de Deus, mas é totalmente perversa e distorcida, avessa a todo bem, de tudo o que Deus ama, e propensa a todo mal, a toda abominação que Deus odeia.”[4]

Wesley argumentou em seu tratado O que é um arminiano? Que nem Calvino afirmou mais fortemente a justificação pela fé do que Armínio e que os metodistas tinham feito.[5] Isto é notável porque poucos debates dentro do protestantismo parecem tão divididos quanto as disputas entre as posições calvinista e armínio-wesleyana.

John Wesley em seus escritos tem uma linguagem forte sobre a doutrina do pecado e a real condição humana na pós-queda, e imaginar que ele poderia ter uma visão elevada do homem em relação a essa temática é, no mínimo, um grande desconhecimento de seus escritos, uma vez que não há evidencia para conclusão de uma ausência de comprometimento dele com a ortodoxia, quando temos seu sermão sobre o Pecado Original a nossa frente e pode-se facilmente identificar que sua opinião sobre a pecaminosidade e a inabilidade do ser humano em voltar para Deus por si esta bem estabelecida; isso em um período muito próximo do começo do avivamento evangélico desde que, antes de 1938 – como assevera Kenneth Collins, Wesley com frequência confundia justificação com santificação. Desta forma, Wesley tanto afirma a doutrina agostiniana do pecado original como a corrupção radical que tem alcançando o ser humano e que esse está totalmente e completamente depravado.

Para Wesley, as Escrituras sempre foram a autoridade final, mas poderíamos sumarizar o seu entendimento sobre a queda da seguinte forma: devido ao pecado Adão perdeu a semelhança com Deus; sendo assim, ele perdeu toda a imagem moral de Deus – justiça e a santidade verdadeira, mas convém observar que Wesley fazia distinção sobre o que ele considerava a imagem de Deus no homem. Seu entendimento sobre imagem moral estava vinculado à semelhança que o homem possuía com Deus a qual ele chamava de santidade. Por outro lado, a imagem natural era a semelhança com os fundamentos de personalidade, a saber: intelecto, sentimento e vontade. O homem assim, em seu pecado, perdeu completamente a semelhança moral com Deus, mas reteve em parte a imagem natural e dessa forma as consequências desse abandono de Adão foram transmitidas para sua descendência. Colocando Adão como um representante de toda humanidade, ao pecar, em algum sentido toda a humanidade pecou com ele, como bem destacado por Kenneth Collins, a linguagem utilizada por Wesley demonstra que ele mantém assim uma afinidade com a teoria federalista calvinista.[6] Não há como escapar da conclusão que Wesley em seus escritos retrata o homem caído em formas sombrias.

Dessa forma, a depravação total em Wesley deve ser definida como uma condição moral sob a qual todos os homens nascem. Essa depravação é morte espiritual transmitida a todos os filhos de Adão, incluindo a corrupção de sua natureza. Algo que não pode escapar ao olhar dos leitores de Wesley é que quando ele se refere ao estado do homem natural ele quer dizer o que ele é por natureza, ou seja, o que o homem é por si só a parte da graça de Deus e, nesses termos, a imagem pintada por ele em relação a essa condição do homem sempre será sombria. E, de fato, no homem deixado nesse estado não há nenhuma esperança de salvação para ele, mas aqui está o que talvez tenha sido uma das melhores contribuições de Wesley para a teologia cristã: seu entendimento de como age a graça preveniente, desde como ela se entende a todos os homens e como o presente estado do homem não é o natural somente, mas o natural mais a graça. E a forma pela qual essa graça vem ao homem não é por um caminho natural, mas tão somente de Deus através de Cristo.

A graça preveniente é particularmente associada com a consciência de todo homem que esta corrompida. Sobre essa questão Wesley diz:

“Nenhum homem vivo é inteiramente desprovido daquilo que vulgarmente se chama consciência natural. Mas isso não é natural: é mais propriamente chamado de graça preveniente. Todo homem tem uma medida maior ou menor disso, que não espera pelo chamado do homem. Todos têm, mais cedo ou mais tarde, bons desejos; embora a generalidade dos homens possa sufocá-los antes que eles possam atingir raízes profundas, ou produzir qualquer fruto considerável. Todo mundo tem alguma medida dessa luz, algum raio reluzente, que, mais cedo ou mais tarde, mais ou menos, ilumina todo homem que vem ao mundo. E cada um, a menos que seja de um número pequeno cuja consciência esta cauterizada como com um ferro quente, se sente mais ou menos inquieto quando age contrário à luz de sua própria consciência. Porque ninguém peca por não ter a graça, mas porque não usa a graça que tem.”[7]

Conclusão

O Calvinista Charles Hodge, em sua Magnus Opus, sumariza a teologia de John Wesley e seus partidários da seguinte forma:

  • Admite a depravação moral;
  • Nega que qualquer homem neste estado tenha qualquer poder de cooperar com a graça de Deus;
  • Afirma que a culpa de todos por meio de Adão foi removida por justificação de todos por meio de Cristo; e
  • A habilidade para cooperar é do Espírito Santo, através da influência universal da redenção de cristo.[8]

E

Richard Taylor, teólogo e educador Nazareno em sua obra Exploring Christian Holiness, afirma:

Jacó Armínio e John Wesley eram totalmente agostinianos nos seguintes aspectos: (a) a raça humana é universalmente depravada como resultado do pecado de Adão; (b) a capacidade do homem de querer o bem está tão debilitada que requer a ação da graça divina pra que possa alterar seu curso e ser salvo.[9]

             Muitos outros escritos de John Wesley poderiam ser utilizados para corroborarmos a tese de seu comprometimento com a temática proposta, mas aqui estamos limitados pelo espaço, o que nos leva a remeter o leitor para a obra de Albert C. Outler, The Work John Wesley.

A depravação total como uma doutrina bíblica encontra-se profundamente enraizada nas Escrituras Sagradas, não é de uso exclusivo de uma determinada vertente teológica e o Arminianismo como uma via legitima dentro da ortodoxia cristã está, nesse sentido, totalmente alinhado com o acadêmico Charles Ryrie quando ele postula a seguinte definição sobre a temática em foco:

“Devido aos efeitos da queda, essa relação original de comunhão com Deus foi quebrada e toda a natureza do homem foi contaminada. Como resultado, ninguém pode fazer nada, mesmo coisas boas, que possam ganhar mérito soteriológico à vista de Deus. Portanto, podemos definir concisamente a depravação total como a falta de mérito do homem perante Deus por causa da corrupção do pecado original.

O conceito de depravação total não significa que as pessoas depravadas não podem ou não executam ações que são boas na visão do homem ou de Deus. Mas nenhuma ação como essa pode ganhar favor de Deus para a salvação. Nem significa que o homem decaído não tenha consciência que julgue entre o bem e o mal por ele. Mas essa consciência foi afetada pela queda de modo que não pode ser um guia seguro e confiável. Nem significa que as pessoas se entregam a todas as formas de pecado ou em qualquer pecado, na medida do possível.

Positivamente, a depravação total significa que a corrupção se estendeu a todos os aspectos da natureza do homem, a todo o seu ser; E a depravação total significa que por causa dessa corrupção não há nada que o homem possa fazer para merecer favor da salvação de Deus”[10].

[1] McGrath, Alister E. Christian Theology: An Introduction. 4th Edition. Malden, Massachusetts: Blackwell Publishing, 2007. p. 19.

[2] Wesley, John. The Works of John Wesley. 1872. 3rd edition. Reprint. Grand Rapids, Michigan: Baker Books, 2007. III:169.

[3] Wesley. Works. VI:63

[4] http://www.umcmission.org/Find-Resources/John-Wesley-Sermons/Sermon-7-The-Way-to-the-Kingdom

[5] http://personaret.blogspot.com.br/2010/07/o-que-e-um-arminiano>acesso em 17de Janeiro de 2017.

[6] Collins, Kenneth,  Teologia de John Wesley, pg.94

[7] Wesley, John, Sermão 85, On Working Out Our Own Salvation

[8] Hodge, Charles, Teologia Sistemática, pg. 729

[9] Richard S. Taylor, Exploring Christian Holiness, pg.20

[10] Ryrie, C., Entry for ‘Depravity, Total,’ in Walter A. Elwell, Editor, Evangelical Dictionary of Theology, p. 337

Editora Sal Cultural - Coleção Grandes Temas da Teologia

By Editor

One thought on “Depravação Total em Wesley”
  1. Gostaria de entender melhor quanto a referencia “todos os homens”. Essa afirmativa se estende a todas as fases de vida do homem? Ou seja, a criança antes de ter entendimento se encontra nesse estado? Se sim, a incapacidade de entender condena a criança ao inferno?

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