Por José Ildo Swartele de Mello

Wesley abraçou a doutrina da salvação pela graça, no entanto, não a viu apenas como justificação, mas também como regeneração; não apenas como uma obra de Deus a favor de nós, mas também como uma obra de Deus dentro de nós; não apenas como uma justiça imputada, mas também como uma justiça implantada em nós através da doação de um novo coração; não apenas como um ato de reconciliação com Deus, mas também como a restauração da imagem de Deus;não apenas como uma mera mudança de status nominal, mas também como uma verdadeira participação na natureza divina, conferindo-nos o poder de não apenas sermos denominados, mas também de sermos realmente feitos filhos de Deus, pessoas que não apenas foram amadas por Deus, mas que também experimentaram o derramar deste mesmo amor em seus próprios corações.Wesley entendia a perfeição em termos do amor, e o amor não pode ser encontrado sem transformar a pessoa que o recebe.

Portanto, a salvação não pode ser vista como uma mera promessa a cumprir-se na eternidade, pois já podemos experimentar seus poderosos efeitos na era presente, através da plenitude do Espírito que é capaz de conferir ao crente uma vida abundante e de vitória sobre o pecado (Rm 6.22; Gl 5.16-24). Deus concede aos seus filhos a capacidade de cumprir sua vocação de serem perfeitos como perfeito é o Pai Celestial (Mt 5.48). Esta perfeição tem sua base na perfeição daquilo que recebemos (Rm 5.5). O Apostolo Pedro afirmou que “Deus nos concedeu todas as condições necessárias para uma vida de santidade e piedade” (2Pe 1.3), e nos fez participantes da natureza divina para que fôssemos capazes de “escaparmos da corrupção deste mundo” (2Pe 1.4). Capacitados pela graça divina e revestidos de toda a armadura de Deus, devemos agir para o desenvolvimento de nossa salvação a fim de cumprirmos a missão de sermos sal e luz neste mundo, anunciando a graça e o amor salvadores de Cristo e vivendo de modo digno do Evangelho, deixando as coisas que para trás ficam e correndo sempre em direção ao alvo que é o de alcançarmos, ainda nesta vida, “à medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4.13).

Para Wesley a santificação do crente tem também o objetivo de promover a santificação do mundo.

“Vossa própria natureza é dar sabor a tudo quanto vos rodeia. É da natureza do divino sabor que existe em vós expandir-se em tudo quanto tocardes, difundir-se por todos os lados, atingindo a todos aqueles em cujo meio estiverdes. Esta é a grande razão pela qual a Providência de Deus vos misturou com os outros homens, de modo que as graças, quaisquer que sejam, que de Deus houverdes recebido, possam ser comunicadas através de vós aos demais homens.” (Wesley, João. Sermões de Wesley. Volume 1. São Bernardo do Campo, SP: Imprensa Metodista. 3a. Edição. 1985. Sermão XXIV – Sobre o Sermão do Monte – Discurso IV. P. 505.)

Concordo com Runyon quando ele diz que a maior força da doutrina wesleyana reside em sua habilidade de mobilizar os crentes a buscarem um futuro mais perfeito que supere o presente. Pois, as forças do mal não devem ser consideradas consequências inevitáveis do pecado original, mas exatamente aquilo que pode e deve ser vencido. (Runyon, Theodore. A Nova Criação: a teologia de João Wesley hoje. Tradução de Cristina Paixão Lopes. São Bernardo do Campo-SP: Editeo, 2002, 316 p.). Pois o Filho de Deus se manifestoupara desfazer as obras do diabo (1Jo 3.8).

Wesley era otimista em relação à suficiência do poder da graça de Jesus não apenas para a santificação do indivíduo, como também de toda a sociedade.

“Foi então que os fundamentos do inferno se abalaram e o Reino de Deus foi-se alargando progressivamente. Por toda parte havia pecadores ‘voltando-se das trevas para a luz e do poder de Satanás para Deus’… Assim se espalhou o Cristianismo sobre a face da terra. Ele havia ‘edificado sua igreja sobre a rocha e as portas do inferno não prevalecerão contra ela’(Mat. XVI:18). Veremos, porventura, maiores coisas do que estas? Sim, maiores do que as tem havido desde o começo do mundo. Pode Satanás fazer naufragar a verdade de Deus ou invalidar suas promessas? Se não, tempo virá em que o Cristianismo prevalecerá sobre todas as coisas e cobrirá a terra… O mundo cristianizado… Tendo, pois, considerado, ainda que brevemente, o cristianismo em seu começo, em seu crescimento e cobrindo, afinal, a terra.” (Wesley, John . Sermões de Wesley. Tradução Nicodemus Nunes. Imprensa Metodista. 3a. Edição – 1985. Volume 1, p. 90-91 e 93).

Wesley era um homem de convicção. Para ele, a teologia e a prática eram realmente um! Ele ousou acreditar que o mundo poderia ser transformado pelo poder da graça de Deus e agiu neste sentido. Imagine o que seria ter vivido nos dias de Wesley e decidir trabalhar duro para mudar um problema social tão grande como a escravidão, que estava enraizado na sociedade mundial há milhares de anos? Utopia? A última carta que Wesley escreveu antes de morrer foi endereçada a William Wilberforce, um membro do parlamento inglês que havia se convertido no ministério de Wesley e que inspirado por ele, passou a lutar contra a escravidão. A carta de Wesley expressava sua oposição à escravidão e encorajava Wilberforce a continuar firme na luta por mudança. O parlamento, após mais de 20 anos de ações políticas e sociais encabeçadas por Wilberforce, no ano de 1807, proibiu a participação inglesa no tráfico negreiro. A Inglaterra foi o primeiro país a abolir a escravidão, e, a partir daí, muitos outros foram inspirados e pressionados a fazerem o mesmo.

Wesley formou sociedades anti-escravocratas, grupos para reforma de prisões, casas de abrigo e agências de assistência aos pobres, numerosas sociedades missionárias, hospitais e escolas se multiplicaram. Wesley lutou contra o trabalho infantil e em favor de direitos civis. Concentrou seu ministério entre os pobres. Leliévre afirma que “todos os historiadores concordam que, embora o século XVIII fosse para a Europa continental uma época de dissolução, para a Inglaterra, pelo contrário, foi o momento de uma benéfica mudança, que regenerou a vida de uma nação e iniciou uma era inteiramente nova” (Lelièvre, Mateo. João Wesley, sua vida e sua obra. Tradução de Gordon Chown. São Paulo: Editora Vida. 1997. P. 371).Seria possível sonhar que o mesmo acontecesse no Brasil?

Que tal se Wesley estivesse vivo nos dias de hoje?! Talvez alguém sugira a possibilidade de fazermos um clone dele. Mas não seria uma boa ideia fazer um clone de Wesley. Além das implicações éticas da clonagem, sabemos que o segredo da vida de Wesley não estava em seus genes e nem mesmo em sua excelente educação familiar e formação acadêmica. Precisamos lembrar que, com tudo isto, Wesley falhou em sua primeira missão para a América. No entanto, após a experiência espiritual que aqueceu e santificou seu coração, houve um avivamento que alcançou os Estados Unidos e fez com que a Igreja Metodista chegasse a ser a maior denominação em solo americano! O Deus que se moveu notavelmente no passado ainda está no seu trono. “Senhor, ouvi falar da tua fama; temo diante dos teus atos, Senhor. Realiza de novo, em nossa época, as mesmas obras, faze-as conhecidas em nosso tempo…” (Hc 3.2). Ó Senhor, reaviva a tua obra em nossos dias! “Realiza de novo, Senhor!”

Editora Sal Cultural - Coleção Grandes Temas da Teologia

By Editor

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *