Por Eli Gonçalves Bastos
Com muita tranqüilidade podemos observar que, ao longo da história, o movimento de origem wesleyana sempre se caracterizou com sendo um movimento que carrega em si uma forte tendência as questões da experiência religiosa, ou seja, para ele a realidade transcendental divina pode ser experimentada, sentida no interior do coração humano. Por outro lado, e agregando a isso, observa-se uma valorização a uma capacidade, uma ortodoxia de assentimentos de verdades doutrinárias, ou seja, a experiência com Deus deve ser participativa e empreendedora, ela acarreta nada menos que a atualização e verificação das verdades reveladas nas escrituras em relação à religião interior.
Wesley entendia que a ortodoxia, ou seja, uma “crença correta” baseada no princípio da razão, por si não dava respostas suficientes quanto às questões de fé interior no coração humano. Ele comenta:
“O homem pode ser ortodoxo em todos os pontos; pode não somente adotar opiniões corretas, mas defendê-las ardorosamente contra seus oponentes; pode pensar com justiça no tocante à Encarnação de Nosso Senhor, á santíssima Trindade e a qualquer outra doutrina contida nos Oráculos Divinos; pode aceitar os três Credos […] e, depois de tudo, é possível que absolutamente não tenha mais religião.”
Portanto, depois de uma investigação na teologia wesleyana, pode-se observar que a experiência para Wesley é o meio importante pelo qual a realidade religiosa (divina) é transmitida. Neste sentido a realidade transcendental de Deus, torna-se perceptível pelos sentidos.
Mas como se procede a experiência com Deus percebida pelos sentidos? Na verdade ela procede de uma dinâmica da relação de Deus para com o ser humano.
I – A DINÂMICA DA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA DE WESLEY
Na realidade dinâmica da experiência religiosa de Wesley, encontramos o que ele conceitua como “sentidos espirituais”, ou seja, uma síntese de duas tradições filosóficas: Empirismo e Racionalismo.
Os “sentidos espirituais” são uma espécie de método empírico. Neste caso, esse sentido nos permite experienciar Deus diretamente. Por outro lado, é também uma espécie de racionalismo na medida em que esse “sentido”, e diferentemente do conceito estritamente racionalista, foi implantando em nós pelo divino, pelo próprio Deus.
Nesta definição descrita acima, encontramos uma modificação básica feita por Wesley no método tradicional do filósofo empirista John Locke, quando este aplica ao conhecimento religioso. Essa alteração se dá pelo fato de que os sentidos empíricos físicos nos “moldes” do pensamento de John Locke, não são capazes de registrar dados espirituais.
Assim sendo, a idéia wesleyana implícita nos “sentidos espirituais” propõe uma sintonia, pelo ser humano para como Deus, que pode ser vista, provada, tocada e até mesmo sentida como realidades espirituais imperceptíveis aos sentidos físicos. Isto é perfeitamente entendido como analogias tanto do Antigo Testamento, como do Novo.
“Oh! Provai e vede que o senhor é bom” (Sl.34.6). “Abre tu os meus olhos, para que veja as maravilhas da tua lei” (Sl. 119.18). 15 “Porque o coração deste povo está endurecido, E ouviram de mau grado com seus ouvidos, E fecharam seus olhos; Para que não vejam com os olhos, E ouçam com os ouvidos, E compreendam com o coração, E se convertam, E eu os cure” (Mt. 13.15-16)
Os “sentidos espirituais” são como ferramentas que registram todas as impressões gravadas neles por Deus, as quais são transmitidas à razão para que reflita sobre elas e tome decisão.
II – O DESPERTAMENTO DO HOMEM PARA “SENTIR” DEUS NO CORAÇÂO:
Veja o que diz John Wesley em um sermão:
“Assim acontece com o que é nascido de Deus. Antes que se opera a grande mudança, embora ele subsista pelo poder daquele em quem tudo existe “vive, move-se e tem o ser”, todavia não tem percepção de Deus; […] não possui consciência íntima de sua presença. Não percebe aquele sopro divino de vida, sem o qual ninguém pode subsistir por um momento; […] Deus continuamente chama por ele desde o alto, mas o pecador não ouve; seus ouvidos estão surdos. […] é verdade que tal homem pode ter algum fraco lampejo de vida, algum débil começo de movimento espiritual; como, porém, não possui sentidos espirituais capazes de discernir as coisas espirituais, […] daí resulta que o pecador tem escasso conhecimento do mundo invisível. […] Não que tal pessoa esteja longe do mundo invisível; ao contrário, está no meio dele, rodeado inteiramente por suas influencias. […] Está por cima e debaixo de nós, assim como ao nosso redor.”
Como vimos nas palavras de Wesley, a humanidade é, portanto, insensível á realidade espiritual; por isso é preciso à intervenção do divino, o qual irá descortinar os “sentidos espirituais”.
Neste caso podemos entender que a regeneração é um ato criativo divino que chama os mortos á vida; o novo nascimento abre um novo mundo de sensibilidade à realidade espiritual.
A partir deste ponto, ou seja, após o novo nascimento, seguindo-se ao despertamento dos sentidos espirituais por Deus, a experiência passa agora mediar o acesso e a participação na realidade divina.
Em nosso tempo presente, ou mais precisamente, alguns teólogos do século XX evitaram o termo experiência por entender que esse está associado a sentimentos subjetivos que o torna inviável a discussão da realidade divina. No entanto se há algo que precisamos conhecer, terá que ser mediado pela experiência.
A dinâmica da experiência wesleyana nos diz que a realidade espiritual, como apropriação da graça de Deus sobre a vida do indivíduo, já não deveria ser mais mediada pelo conhecimento correto de determinados conjuntos teológicos e litúrgicos, mas experimentadas de forma consciente.
Com este entendimento em mente Wesley resgata o princípio da segurança da salvação. O que ficou conhecido como “Testemunho do Espírito”. A crença na segurança da salvação está intimamente ligada à experiência. No sentido de ser ela, a segurança, um testemunho direto e indireto do Espírito e cujo resultado é uma sensação de paz em relação à própria aceitação por parte de Deus.
O Testemunho do Espírito é uma impressão íntima feita sobre a alma, pela qual o Espírito de Deus diretamente testifica ao nosso espírito que somos filhos de Deus; que Jesus me amou e deu-se a si mesmo por mim; e que meus pecados são cancelados, e eu, sim, eu sou reconciliado com Deus.
O próprio Wesley experimenta esta graça da testificação, quando no famoso dia de 24 de maio de 1738. Assim ele atesta:
“À noite, fui de má vontade até uma Sociedade, na Rua Aldersgate, onde a pessoa estava lendo o prefácio de Lutero à Epistola aos Romanos. Por volta de quinze para as nove, enquanto ele estava descrevendo as mudanças que Deus opera no coração, pela fé em Cristo, eu senti meu coração estranhamente aquecido. Senti que confiei em Cristo, apenas Cristo, para a salvação; e uma garantia me foi dada de que Ele tinha tomados meus pecados, até mesmo os meus, e tinha me salvo da lei do pecado e da morte.”
Como conclusão adequada à compreensão do sentido que John Wesley dá à experiência, é importante destacar uma distinção entre experiência, sentimento e emoções.
Wesley compreende emoções como manifestações psicológicas que freqüentemente estão presente nos encontros de avivamentos, sendo admissíveis dentro de uma saúde psicossomática. Que neste caso irá manifestar-se de forma variável de pessoa para pessoa. Mas que de maneira nenhuma pode ser fonte determinante para a testificação do transcendente. São consideradas por ele como “sintomas exteriores”, mas não a essência da religião. O sentimento torna-se um termo mais significativo e assinalava para as impressões trazidas pelos “sentidos espirituais” ao coração. O sentimento é proveniente das impressões percebidas pelos sentidos espirituais, as quais são causadas por palavras, ações e gestos. O sentimento é as reações sentidas a essas mensagens. O resultado desse processo é a experiência. Não havendo, desta forma, nenhuma experiência religiosa sem uma correspondente estrutura interpretativa.
A experiência religiosa ocupa, pelo que até então tem sido exposto, importância vital na totalidade da teologia wesleyana. Ela, todavia, não pode ser tomada como evento normativo; em vez disso, ela deve estar subordinada ao Testemunho das sagradas Escrituras.
Sentir Deus no coração é bom e faz bem a teologia wesleyana.