Por Vinicius Couto
“Não fostes vos quem escolhestes a mim, mas eu vos escolhi a vos outros” (Jo 15.16). Parece até um jargão calvinista, mas é exatamente isso que Wesley cria (assim como todos os representantes da tradição reformada arminiana). O cristianismo não aceita a ideia de que o homem dê um passo em direção a Deus sem que a graça divina atue sobre ele. Nesse ínterim, é cabível a explicação de que, não o homem escolheu a Deus, mas Deus escolheu a humanidade.
As religiões não cristãs partem do pressuposto de que o homem está buscando ao Criador no entendimento particular que cada uma delas adota. Entretanto, no cristianismo é Deus quem escolhe a humanidade e é Cristo quem escolhe morrer substitutivamente no lugar do pecador. É Verbo se fazendo carne, habitando entre os homens com o propósito missionário de eleger Sua Igreja, pois o homem totalmente depravado não tem condição alguma de tomar tal decisão, visto ter sido corrompido pela queda de Adão.
Nas minutas da conferência de 1975, Wesley deixa nítida a posição de total depravação e de inabilidade natural em pelo menos três pontos: 1) “Atribuir todo bem à livre graça de Deus; 2) negar todo livre-arbítrio e poder naturais antecedentes à graça; e 3) excluir todos os méritos do homem, quer por aquilo que ele tem, quer por aquilo que ele faz pela graça de Deus.”[1]
Ele não está sozinho nessa. Os wesleyanos, conforme assegura o teólogo metodista Melvin Dieter, “declaram a corrupção total pela desobediência do primeiro casal”, bem como professam “que o homem decaído só pode ser restituído ao favor divino pelos méritos de Cristo e nada mais.”[2]
Wesley tem uma visão pessimista do homem não regenerado tanto quanto tem um calvinista. Em seu sermão Original Sin (Pecado Original), ele diz: “Estaria o homem repleto, por natureza, de toda a forma do mal? Seria vazio de qualquer bem? Acha-se de todo decaído?”, pergunta o evangelista britânico, que responde em seguida: “Se até aqui você concorda, então é cristão. Negue isso e não passará de um pagão”.[3]
A teologia de Wesley é mais fácil de ser compreendida dentro de uma perspectiva teleológica.[4] Ele enxerga que “o propósito predominante e supremo do plano divino de salvação é renovar o coração do homem à imagem e semelhança de Deus” e por isso ele cria que “pela graça, Deus haveria de nos restaurar a santidade perdida na Queda de nossos primeiros pais”.[5] A queda de Adão raptou a imago Dei que desfrutava o primeiro casal. Wesley entendia essa imagem sob três aspectos: imagem natural, política e moral.
A imagem natural fala da imortalidade, do livre-arbítrio e dos sentimentos. A imagem política se refere à autoridade para governar o reino natural. Finalmente, a imagem moral, diz respeito à justiça e santidade, que os fazia semelhante ao Criador em amor, pureza e integridade, bem como a capacidade intelectual. Com a Queda, todas as áreas supracitadas foram contaminadas pelo pecado, conduzindo a mente humana à alienação e à falta de desejo de conhecer a Deus. Tanto é que Wesley conceitua pecado original como sendo “a corrupção total da natureza humana como um todo”.[6]
Nessa perspectiva, Wesley dizia que os cristãos não devem ficar satisfeitos com nenhum tipo de religião que não implique a destruição de todas as obras do mal, ou seja, de todo o pecado. No sermão Original Sin, Wesley reverbera tais pensamentos:
Sabei vós que qualquer religião que não sirva a este propósito, qualquer religião que pare um pouco antes disto, da renovação de nossa alma à imagem de Deus, conforme a semelhança dele, que a criou, é apenas uma farsa infeliz, mera zombaria de Deus, para a destruição da alma. (…) Por natureza, vós sois totalmente corrompidos. Pela graça, sereis totalmente renovados.[7]
Wesley entende que a obra de Deus no homem começa através da graça preveniente, mas também se interessa pela continuidade de tal obra na pessoa que reagiu positivamente à Sua boa vontade. Toda a humanidade está maculada e corrompida pelo pecado e oprimida pela rebelião individual, mas Deus chama a todos, sem distinção, para se voltarem a Si.
O agente desse chamado “à justificação e à santificação é o Espírito Santo, que nos dá a fé mediante a qual os elementos subjetivo e objetivo da salvação divina em Jesus Cristo se tornam nossos. A obra benevolente do Espírito permite que o coração pecaminoso responda em obediência ao chamado divino para a salvação.” E é aqui que surge a visão teleológica wesleyana, pois “a obra da regeneração do coração realizada pelo Espírito marca o ponto de partida da santificação”,[8] que culmina no propósito final de Deus que é restauração da imago Dei no homem.
[1] JACKSON, Thomas (Org.). The Works of John Wesley, Volume VIII. Kansas City: Beacon Hill Press, 1978, p. 285.
[2] DIETER, Melvin E. A Perspectiva Wesleyana. In: GUNDRY, Stanley (org.). Cinco Perspectivas Sobre a Santificação. Vida, 2006, p. 25.
[3] JACKSON. Op. Cit., Volume VI, p. 63.
[4] Teleologia é o estudo filosófico que visa abordar os fins, propósitos e finalidades. É a ciência das causas finais.
[5] DIETER. Op. Cit., pp. 17,18.
[6] JACKSON. Op Cit., Volume IX, p. 433.
[7] Ibid, Volume VI, pp. 64-65.
[8] DIETER. Op. Cit., p. 19.