Por Samuel Chadwick
É mais fácil provar a doutrina de uma segunda bênção a partir dos ensinamentos de John Wesley, que a partir da Bíblia. A exigência de prova bíblica chama a suspensão. Nos credos e nas teologias, a verdade é definida e declarada de forma clara e dogmática. Eles dão os resultados da análise e classificação, sem indícios dos processos pelos quais foram formuladas as conclusões. A partir de declarações eclesiásticas e definições teológicas, é fácil provar a necessidade de uma segunda obra da graça nos crentes. A Bíblia, no entanto, não é tão explícita. Suas doutrinas não são expressas em pronunciamentos dogmáticos nem através de silogismos. Há muita teologia que não é bíblica, e a maioria das pessoas prefere ter suas doutrinas formuladas por elas. A tarefa de buscar a verdade em primeira mão não é fácil.
A verdade cristã tem evoluído através de processos longos e variados. Ela é incorporada – para não dizer embutida – numa série de livros nos quais a unidade não aparece logo na superfície. A matéria-prima deve ser analisada e sistematizada. Nada deve ser importado, nada suprimido, nada “compatibilizado”. A doutrina deve ser abrangente o suficiente para incluir tudo o que as Escrituras têm a contribuir. Deve haver espaço para proposições aparentemente contraditórias. Nenhuma instrução pode substituir outra. Prova de textos isolados pode ser feita para provar qualquer coisa. A verdade flui através de mil canais, e a doutrina deve reunir todas as fases em sua declaração final. Por esta razão, não basta apoiar uma afirmação por meio de textos. A declaração deve ser a edição final de todos os textos. A prova é um acúmulo de verdade. A convicção não é gerada pela lógica.
Um homem não crê numa doutrina porque algo a prova. Ele acredita porque tudo prova isso. É por isso que as coisas de que estamos mais seguros são sempre mais difíceis de provar. A Segunda Bênção não está em um texto. Está em toda a Bíblia. Porque o homem que a encontrou a vê em toda parte, é difícil para ele provar isto em qualquer parte. A multiplicidade de provas se confunde na presença de quem não pode ver, mas a própria experiência produz o mestre supremo. Há uma unção do Santo por meio da qual os santificados são levados para a Verdade. Os puros no coração vêem. O amor feito perfeito santifica toda a vida e aperfeiçoa o conhecimento das coisas divinas. Pelo que sabemos, e sabemos que sabemos, se guardarmos Seus mandamentos.
Tesouro Escondido
As pessoas muitas vezes perguntam por que uma doutrina tão importante não é mais explicitamente declarada e ordenada na Bíblia. A mesma pergunta pode se aplicar a toda a doutrina dentro do Reino. O mandamento de se arrepender e crer – a necessidade de perdão e regeneração – é definido e explícito o suficiente, porque este se refere aos que estão de fora. Uma vez que a divisa do Reino é passada, a verdade tem que ser descoberta. Não pode ser derramado mecanicamente ou magicamente em um homem. As coisas espirituais são discernidas espiritualmente. Eles não podem ser passadas como artigos de fé. Cada alma tem que encontrá-las para si mesma. Jesus ordenou a Seus discípulos que não dissessem a nenhum homem que Ele era o Cristo. Ele mesmo tinha muitas coisas a dizer, mas os seus lábios foram selados. O Espírito leva cada um à posse da verdade, que só pode ser recebida pela experiência da fé pessoal. Para aqueles que entraram, é dada uma garantia gloriosa e muito tesouro que não pode ser dividido com aqueles que não o têm. Tudo o que eles podem dizer é: Este é o nosso testemunho – vá e “compre por si mesmo”.
Aqueles que estão ansiosos para saber se podem possuir a encontrarão plenamente estabelecida nas Escrituras. Não há outro guia, nem nenhuma outra autoridade. A Bíblia é seu próprio intérprete, e aqueles que quiserem saber que podem fazer, não procurarão em vão. É uma experiência que deve ser enraizada e fundamentada na Palavra de Deus.
Deve-se admitir que as passagens exortadas como a base de uma Segunda Bênção levam pouco peso, além daquelas que têm os que possuem a chave em seus próprios corações. Há sorrisos de incredulidade, misturados com piedade, quando a bênção é descoberta em Êxodo e Levítico. Na arquitetura, mobiliário e ordenanças do Tabernáculo. Bem como em distinções de fala que parecem forçadas e fantasiosas. Tão evidente se tornou que o método de interpretação é classificado e proibido. Mas aqueles que entraram na experiência vêem o ensinamento do Gênesis ao Apocalipse, e o método tem o fundamento do exemplo apostólico.
A base bíblica
Que as Escrituras requerem que sejamos santos, ninguém nega. Sem santidade, nenhum homem pode entrar no céu. Nem é negado que a provisão para nossa santificação é feita em Cristo. Ele veio para salvar do pecado. Isso envolve mais do que perdão e libertação de seu domínio. O pecado é do coração, e sua presença é mais ofensiva do que seus atos de transgressão. Cristo redime, para que possa purificar e restaurar. O pecado permanece no regenerado. Não reina, mas permanece. Disso não pode haver dúvida. A Escritura e a experiência afirmam isso. Os cristãos em Corinto foram santificados, e ainda eram carnais (1 Coríntios 1: 2; 3: 1-3). Eles foram exortados a purificar-se “de toda impureza da carne e do espírito, aperfeiçoando a santidade no temor de Deus” (2 Coríntios 7: 1).
Os gálatas tinham recebido o Espírito de adoção, e a eles o apóstolo disse: “a carne cobiça contra o Espírito, e o Espírito contra a carne” (Gálatas 5:17). Assim, as pessoas já em estado de graça são instadas a uma experiência de purificação e plenitude. O ensinamento do Conde Zinzendorf de que “todos os crentes verdadeiros não são apenas salvos do domínio do pecado, mas da existência do pecado interior, assim como exterior; de maneira que ele não mais permanece neles”, é totalmente sem razão[1]. Os santos do Novo Testamento eram verdadeiros crentes, e a carnalidade permaneceu neles. Mas há uma purificação do ser do pecado interior, e isso é abundantemente manifesto da Palavra de Deus. Os mandamentos implicam nisso, e as promessas a declaram. “O sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado”. E essa purificação é pela fé.
Não há outra condição, mas a fé só é impossível com convicção. É um ato definido com um objetivo definido. Se a alma deve ser purificada do pecado, isso deve ocorrer em algum momento entre a regeneração e o céu. E esse ponto é alcançado quando a fé reivindica a bênção. O Apóstolo desejou voltar aos fiéis em Tessalônica, para que ele pudesse “aperfeiçoar o que faltava em sua fé”, e o desejo foi expresso na oração:
“E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo. Fiel é o que vos chama, o qual também o fará.” [1 Ts 5:23-24]
* Este texto é o capítulo 9 do livro Um chamado à Perfeição Cristã. Tradução: Eduardo Vasconcellos
[1] [Nota do Tradutor] Nessa época alguns teólogos descreviam a corrupção do coração do crente, e dificilmente admitiam que ele tivesse domínio sobre ela, mas que, antes, seria seu escravo; e, por esses meios, eles faziam uma pequena distinção entre um crente e um descrente. Para fazer contraponto a esse pensamento, Zinzendorf e outros “bem intencionados” afirmaram o oposto. Segundo Wesley, “depois de um tempo, quando o absurdo disto foi mostrado, eles razoavelmente desistiram do ponto; admitindo que o pecado ainda permanecesse, embora não reinasse, naquele que é nascido de Deus”. [Sermão – Sobre o Pecado nos Crentes]