Por Edimilton de Carvalho Pontes

Na sociedade brasileira torna-se a cada dia mais comum falar sobre o crescimento dos evangélicos, a notoriedade de alguns pastores, o assédio de partidos políticos, e mais recentemente sobre a influência exercida por evangélicos.  Tudo isso, tem sido comentado para realçar a importância dos evangélicos na agenda nacional.  Toda essa efervescência ao redor dos evangélicos é um fato, ainda que seja temerário falar dos evangélicos como um seguimento totalmente unido, capaz de ter tamanha influência na sociedade brasileira.  Mas toda esta impressão que os meios de comunicação deixam transparecer tem uma avaliação positiva para a maioria dos líderes das igrejas evangélicas, pois sinaliza o acesso ao poder, antes vetado, mas agora disponibilizado para alguns.

É neste cenário conturbado do anseio pelo poder que estão os líderes evangélicos, cada vez mais desacreditados, sem identidade bíblica e relegados aos modelos empresariais.   O olhar para a realidade torna-se desalentador, pois o que se vê são escândalos de corrupção, desvio moral, vozes cooptadas pela cultura consumista, pastores adoecidos por conduzir o ministério moldado pelos próprios desejos.

A figura pastoral no contemporâneo passa por uma crise de identidade, muitos líderes das igrejas estão enfrentando os desafios deste chamado tempo “pós-moderno”, sem um referencial de liderança que emerge do texto sagrado.  Esse esvaziamento de um referencial bíblico gera comportamentos anômalos e destruidores, onde a vítima principal são os próprios líderes destas comunidades e, por conseguinte, a própria comunidade. Brueggemann nos estimula a estudar o aspecto profético, afirmando: “a apatia e a tranqüilidade das igrejas no momento atual apresentam ótima oportunidade para se estudar os profetas e nos livrarmos de mal-entendidos já por demais gastos.”[1] A expectativa desta pesquisa é fornecer, a partir da compreensão dos elementos da vocação e crise profética, um quadro alternativo para a ação pastoral na atualidade.  A análise da figura profética como paradigmática para os atores envolvidos no contexto eclesial moderno provê propostas para uma ação pastoral mais humanizadora, consciente dos seus limites e de sua vocação. De forma específica, busca-se analisar os aspectos da crise e da vocação na ação profética de Jeremias, identificando aportes teóricos e práticos para a tarefa pastoral no contemporâneo e examinando elementos psicoteológicos[2] envolvidos na crise do navi[3] de Deus. Esta proposta encontra ressonância nas relações que Jeremias viveu, e hoje se observa no contexto evangélico.

O entendimento da crise e vocação de Jeremias nos envia ao seu mundo, fazendo uma aproximação muito importante, desvencilhando os mitos em torno da figura profética e do próprio movimento profético, podendo mostrar novas posturas de uma ação pastoral na modernidade, livrando os pastores dos arroubos de heroísmo e das ligações perigosas com os poderes institucionais, principalmente, quando estes vão de encontro à liberdade do chamado profético.  A crise e a vocação como duas palavras teológicas fundantes da ação pastoral possuem uma tensão que propicia uma ampliação da compreensão do profeta Jeremias, possibilitando a formação de um quadro teórico, onde a crise tem um papel formador no chamado e na vida do profeta.

O fenômeno profético em Israel é tema recorrente nos estudos teológicos ao redor do mundo.  Grandes obras de interpretação e comentários têm sido escritos com um viés pastoral para uso nas comunidades de fé.  A profecia é uma força propulsora na análise social e estrutural das instituições.[4] Brueggemann exorta-nos a respeito da importância de uma reflexão séria sobre a importância da profecia como elemento fundamental para o ministério na Igreja[5].  O nosso entendimento do Antigo Testamento deve estar ligado com as realidades da igreja hoje[6]. A igreja moderna precisa olhar para o passado, com acuracidade prática, bebendo desta fonte antiga, para dessedentar os cristãos tão necessitados de conhecer a sua tradição bíblica.  “O papel do ministério profético é justamente trazer de volta as exigências da tradição para um confronto real com a situação de adaptação.” [7]

A presente pesquisa não pretende ser um trabalho exegético exaustivo do texto, mas usar a matriz textual em evidência como fundamento para reflexão da vida do profeta Jeremias. Os três conceitos principais que se almeja aprofundar são: vocação, crise e pastoral.  Essas palavras podem nos lançar num rio caudaloso da ação profética jeremiana, fornecendo material significativo para a ação pastoral.  Lembrando que a figura pastoral é tão antiga quanto à figura do profeta. Os príncipes de Israel são chamados de pastores; p.ex., Ciro, o rei persa, é chamado de pastor (Is 44.28).  Isso mostra que a figura pastoral não está ligada apenas ao Novo Testamento, mas tem seu arquétipo formado na antiguidade.

Jeremias torna-se um personagem interessante para esta abordagem a partir dos elementos emocionais da sua vocação, comissionamento, lamentos, confissões e discursos proféticos.  Jeremias talvez seja o profeta mais rico em termos de informações sobre as suas crises.  Ainda que de uma forma ou outra os profetas tenham passado por situações de crise nos seus chamados, nenhum se apresenta e se coloca como Jeremias em oposição às Palavras de Deus a serem profetizadas ao povo.  Jeremias é o profeta que se desvela diante dos seus ouvintes e diante de Deus.  Ele não tem problemas em expressar-se, das palavras eivadas de ira pelo pecado ao lamento melancólico da própria inadequação diante do chamado.  Jeremias é, assim, um ser em constante tensão.

Este trabalho não desconsidera a riqueza que as ferramentas exegéticas podem nos auferir; muito pelo contrário procura beber das fontes dos teólogos do Antigo Testamento dedicados à pesquisa exegética.  A proposta não é trabalhar aspectos literários do texto, nem a pesquisa atualizada na formação do texto Jeremiano, mas fazer uma análise no homem Jeremias, a partir da sua ambiência e elementos formadores da vocação e da crise, e por fim depreender conceitos e propostas para a atividade pastoral, justapondo-os às práticas da modernidade.

[1] BRUEGGEMANN, Walter. A imaginação profética. São Paulo: Paulinas. 1983. p.11
[2] A psicoteologia como uma ciência experimental tenta fazer um intercâmbio da teologia com a psicologia, bem como da psicologia com a teologia.
[3] Navi – porta-voz, profeta.  A derivação de navi é assunto controverso.  O antigo Lexicon de Gesenius (editado por Tregelles), por exemplo, faz este substantivo derivar do verbo naba, “onde o ayin,  foi abrandado para aleph, verbo este que significa “borbulhar, ferver e derramar” e, por conseguinte, “extravasar palavras, como aqueles que falam com mente fervorosa ou sob inspiração divina, como os profetas e poetas.” HARRIS, R. Laird ; ARCHER JR. Gleason L.; WALTKE, Bruce. (Org.) Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova. 1998. p.904 e 905)
[4] SICRE, José Luis (Org.). Os profetas. 2 ed. São Paulo: Paulinas. 2007
[5] BRUEGGEMANN, 1983, p.7
[6] BRUEGGEMANN, 1983, p. 9.
[7] BRUEGGEMANN,1983, p.10.

Editora Sal Cultural - Coleção Grandes Temas da Teologia

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