por Dougan Clark, MD.
A ciência é uma apresentação sistemática da verdade. A Teologia é a mais importante de todas as ciências. É a ciência que trata de Deus e do homem em sua relação com Deus. É uma apresentação sistemática da verdade revelada. Como a base da astronomia é o universo dos mundos revelados pelo telescópio, e como a base da geologia é a crosta da terra, também a base da teologia é a revelação divina encontrada nas Sagradas Escrituras. A Teologia da Inteira Santificação, portanto, é uma apresentação sistemática da doutrina da Inteira Santificação como derivada da palavra escrita de Deus. Essa apresentação esperamos fazer neste ensaio – com a ajuda do Espírito Santo, que nós aqui e agora invocamos sinceramente. Que Deus abençoe o esforço e rejeite nossa fraqueza humana para a glória de Seu Nome. Amém.
É um fato lamentável que haja uma grande classe de cristãos para quem o assunto da Inteira Santificação é uma questão indiferente. Eles esperam, com ou sem motivo suficiente, que seus pecados sejam perdoados. Eles se propõem a viver vidas morais e úteis, e confiam, novamente com ou sem motivo suficiente, que irão para o céu quando morrerem. O tema da santidade não lhes interessa. Eles supõem estar bem o suficiente sem isso.
Há outros que afirmam ser cristãos, para quem o assunto é até mesmo positivamente desagradável. É uma ofensa para eles. Eles não querem ouvir pregações sobre o assunto. Eles consideram que tais afirmações não passam de caprichos. Eles acham que as reuniões de santidade são focos de ilusão e orgulho espiritual. E se afastam de todo o assunto não apenas com indiferença, mas com desdém.
Há ainda outros, e esses filhos de Deus, como podemos crer com caridade, que nem sequer consideram a santidade algo desejável. Eles afirmam que é necessário e salutar reter algum pecado no coração enquanto vivermos, a fim de nos manter humildes. É verdade que eles nunca são capazes de dizer quanto pecado é preciso para ter esse efeito benéfico, mas certa quantia eles estão empenhados em ter.
Outra classe leva a visão oposta. Eles consideram a santidade como muito desejável, e uma coisa muito adorável de se contemplar e pensar, mas também a consideram algo impossível de alcançar. Eles esperam crescer em direção a ela todos os dias de suas vidas, para obtê-la no momento da morte. Não acreditam que qualquer ser humano pode ser santificado antes da hora da morte. Não até que a morte separe a alma do corpo e o próprio Deus possa separar o pecado da alma. Toda a doutrina da Inteira Santificação, portanto, eles consideram uma bela teoria, mas totalmente impossível como uma experiência, e totalmente impraticável como uma vida.
Em termos gerais, podemos dizer que os cristãos carnais, conforme descritos por Paulo em 1 Coríntios 3:1-4, se opõem à doutrina da Inteira Santificação. “A mente carnal é inimizade contra Deus”, e a mente carnal é irremediavelmente oposta à santidade. Essa oposição pode assumir uma das formas já descritas ou, possivelmente, algumas outras formas que não foram citadas, mas a raiz da hostilidade é a mesma em todos. Onde quer que “nosso velho homem” tenha seu lar no coração de um cristão, toda a santificação será rejeitada.
Mas não devemos esquecer que há muitas exceções. Há milhares de corações sinceros e crentes em todas as denominações cristãs, nas quais o pecado inato ainda existe, mas não com o consentimento da vontade. Eles estão cansados - muito cansados do tirano que os governa, ou das lutas incessantes pelas quais, com a graça acrescida e assistencial de Deus, eles são capazes de mantê-lo sob o controle. Eles anseiam por libertação. Eles estão famintos por plena salvação, e regozijam-se em ouvir a mensagem da Inteira Santificação através do batismo com o Espírito Santo e fogo. O Senhor abençoe todas essas multidões famintas, e satisfaça o desejo de seus corações, salvando-os ao máximo, e seu número seja vastamente aumentado, para que a bandeira da Igreja de Cristo seja desdobrada em todos os lugares – a bandeira na qual está inscrita o glorioso lema de Santidade ao Senhor.
Agora confrontamos todas as objeções à doutrina da Inteira Santificação – seja na forma de indiferença ou antipatia, ou falta de desejo, ou impossibilidade – com a simples proposição de que ela é necessária. Se esta proposição pode ser estabelecida, todas as objeções, de qualquer caráter, devem cair por terra, e o ansioso grito de todo coração cristão deve ser: como posso obter essa bênção inestimável que é essencial para minha felicidade eterna, que é indispensável, e sem a qual eu nunca verei o Senhor?
Pois esta é a linguagem do Espírito Santo em Hebreus 12:14, “Segui a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor”. Isso não pode significar menos que a Inteira Santificação, ou a remoção do pecado inato. E, certamente, dificilmente é necessário argumentar a questão quanto à exigência desta experiência abençoada, a fim de obter uma entrada no céu. Todos admitirão que o próprio Deus é um Ser perfeito e absolutamente santo, e Ele já disse a Seus seguidores em todas as eras: “Sede santos porque eu sou santo” – fazendo de Sua perfeita e inteira santidade a razão suficiente para exigir a mesma qualidade. E, embora a santidade do mais elevado ser criado sempre seja infinitamente menor que a do Deus Infinito, no que diz respeito à quantidade, será a mesma em qualidade, pois Jesus nos diz: “Sede perfeitos como vosso Pai Celestial é perfeito”, não, é claro, com a imensurável quantidade de perfeição que lhe pertence, mas com o mesmo tipo de perfeição até onde se pode chegar. E novamente em Apocalipse 21:27, nos é dito que “De modo algum entrará nela” (a cidade celestial) qualquer coisa que contamina, nem o que pratica abominação ou mentira”. O céu é um lugar sagrado e será ocupado apenas com os santos habitantes.
Mas se a santidade do coração é uma necessidade, a fim de alcançarmos a bem-aventurada morada da terra da glória, quando esta estupenda bênção será obtida? Não é de modo algum, um exagero, que escrevo que trata-se de uma benção obtida mas não alcançada. É geralmente tida como uma realização, e essa forma de expressão tem uma tendência a desencorajar o buscador[1] ao aumentar a dificuldade para receber essa bênção. O pensamento contido na palavra realização é o de algo seriamente buscado, depois lutado, persistentemente perseguido com muito trabalho e esforço mais esforço, até que, finalmente, o cobiçado prêmio é alcançado. Poucas pessoas da multidão que foi à Califórnia, logo depois que o ouro foi descoberto ali, alcançaram a fortuna; mas foi depois de anos de trabalho duro, privação e dificuldades. A maioria morreu no caminho, ou durante a mineração do metal precioso, ou retornou tão pobre quanto foi.
Por outro lado, a idéia de uma obtenção é simplesmente a de um presente. E a Inteira Santificação é precisamente um dom, “meramente isso e nada mais”. Não é recebido por luta, nem esforço, nem por mérito próprio; não é um empreendimento grande e laborioso a ser empreendido; não é o fruto de uma longa jornada ou de uma viagem perigosa; não se obtém fazendo, nem tentando, nem sofrendo, nem resolvendo, nem conseguindo, mas esticando a mão da fé e tomando posse. Louve ao Senhor.
E, portanto, perguntamos novamente quando é que esse dom indispensável deve ser obtido? Os católicos romanos e os restauracionistas respondem, no fogo purgatorial, ou em algum tipo de segunda provação após a morte. Mas as Sagradas Escrituras não nos dizem absolutamente nada sobre purgatório ou provação post mortem. Pelo contrário, eles claramente nos ensinam que o nosso destino para toda a eternidade deve ser determinado em uma provação, que é atribuída a nós na vida presente. Que ninguém suponha, por um momento, que ele possa ser preparado para o céu a qualquer hora, ou em qualquer lugar, ou de forma alguma, depois de ter deixado essa esfera mundana. “Eis que agora é o tempo aceitável; eis que agora é o dia da salvação”.
Mas todas as igrejas calvinistas por seus credos, e também uma grande parte da membresia de denominações arminianas, sem levar em conta seus credos, se perguntadas quando devemos obter a Inteira Santificação como uma condição essencial para o céu, responderiam: na morte. A idéia prevalecente sobre este assunto, entre os crentes cristãos, parece ser a seguinte: Primeiro, através do arrependimento para com Deus e fé em nosso Senhor Jesus Cristo, nós somos convertidos. Nossos pecados passados são perdoados e nascemos de novo. Depois disso, nosso único negócio é crescer em graça e, por meio desse crescimento, nos aproximar cada vez mais do padrão da Inteira Santificação, mas nunca supomos que podemos alcançar esse padrão antes do momento da morte.
Agora, a graça é o dom de Deus, e nós não podemos, possivelmente, crescer na graça até que a recebamos. E nós nunca podemos crescer em graça, mas crescer nela depois de conseguirmos. Podemos crescer, é verdade, na graça da justificação em um grau limitado e por um tempo limitado. O grau é limitado por causa da presença do pecado inato, que é o grande, senão o único impedimento do crescimento. O tempo é limitado na maioria dos casos, pelo menos, porque se o cristão justificado é levado a ver a necessidade e a possibilidade de Inteira Santificação, e ainda falha, como muitos fazem, para entrar na bênção, por causa da incredulidade, ele é muito propenso a retroceder, caso em que, naturalmente, haverá uma cessação de crescimento, ou, como os gálatas, ele se submeterá à servidão do legalismo e, depois de ter começado no Espírito, procurará ser aperfeiçoado na carne. Nesse caso, o veredicto de Paulo para essa amada igreja não será que está crescendo na graça, mas “vocês caíram da graça”.
É claro, portanto, que nunca podemos nos tornar a bênção da Inteira Santificação. Essa bênção é para ser recebida pela fé, como o dom de Deus em Cristo Jesus e pelo Espírito Santo; e quando a graça já foi obtida desta maneira, podemos crescer nela indefinidamente e por toda a vida, possivelmente por uma eternidade. Crescimento na graça é uma coisa muito abençoada em seu lugar certo, e quando corretamente entendida e experimentada, mas nunca poderá nos levar à morte do velho homem, nem à experiência da Inteira Santificação.
E como o crescimento nem a morte podem fazer isso? A morte não é mencionada em nenhum lugar das Escrituras como santificadora. A morte pode separar a alma do corpo, mas separar o pecado da alma é uma obra que só Deus pode fazer. Jesus Cristo é a nossa santificação, e o Espírito Santo é o nosso santificador, e mesmo que a obra seja realizada no momento da morte, ainda é o Espírito Santo e não a morte que a realiza. E se Ele pode realizá-la na hora e por ocasião da morte, onde está o obstáculo para a sua realização uma semana, um mês, um ano ou quarenta anos antes da morte – se apenas as condições forem cumpridas de nossa parte. Dizemos que Ele não pode realizá-la antes da morte; então onde está sua onipotência? Dizemos que Ele não fará isso antes da morte? então onde está a Sua própria santidade? Em ambos os casos, desonramos a Deus e nos privamos de uma bênção inestimável e indispensável. Deus nos salve dessa loucura.
Escritura, razão e experiência, portanto, todos se unem no sentimento de que toda a santificação deve ser buscada e obtida agora, e se agora, então, ela deve ser obtida é instantaneamente, e se instantaneamente e agora, segue, também, que é para ser obtida pela fé, e a partir dessas premissas, a conclusão adicional é logicamente dedutível, de que não podemos nos tornar melhores para recebê-la, mas devemos tomá-la como somos. E assim chegamos e adotamos o preceito vigoroso de John Wesley: “Espere por fé – espere como você é – espere agora”.
Nós agora afirmamos que a Inteira Santificação não é apenas essencial como a condição para entrar no céu, mas que também é necessária para os mais altos resultados da vida cristã na terra. Não é apenas uma bênção indispensável para morrer, mas, se cumprirmos a vontade de nosso Pai neste mundo, é indispensável viver de acordo com ela.
Mas antes de deixar o tema do crescimento na graça, tendo demonstrado, como nós confiamos, que nunca podemos crescer em Inteira Santificação, devemos, talvez, explicar o que queremos dizer com a afirmação de que podemos crescer indefinidamente naquela graça preciosa e não antes de nós a recebermos. A Inteira Santificação tem dois lados ou aspectos. Tem um lado positivo e um lado negativo. Seu lado negativo é a remoção do pecado inato e, portanto, é uma questão de subtração. E aqui, podemos observar de passagem, há uma diferença característica entre a Inteira Santificação e a Regeneração. A última é uma questão de adição, porque implica a concessão de uma nova vida à alma que até agora esteva “morta em ofensas e pecados”. Agora, nesse aspecto negativo da Inteira Santificação, não pode haver crescimento. Se um coração é puro, não pode ser mais puro. Se estiver livre do pecado, não poderá estar mais livre do pecado. Um vaso vazio, como alguém disse, não pode estar mais vazio. Não pode haver aumento de pureza.
Mas o lado positivo da Inteira Santificação é o amor perfeito e esta é uma expressão relativa. Isso não significa que todos que a possuem devem ter uma quantidade igual de amor. O amor perfeito para cada indivíduo é apenas seu próprio coração – não o coração de outra pessoa – sendo preenchido com amor. Um indivíduo pode ter uma maior capacidade de amar do que outro, assim como ele pode ter uma maior capacidade de ver ou de trabalhar. O amor perfeito em uma criança não seria um amor perfeito em um homem; e perfeito amor em um homem não seria perfeito amor em um anjo. E o amor perfeito pode aumentar no mesmo indivíduo, de modo que o que é amor perfeito hoje pode não ser o amor perfeito amanhã. Quando comungamos com Deus e trabalhamos com Ele, à medida que nos tornamos mais e mais familiarizados com Cristo e com o Espírito Santo, e vemos mais das infinitas atrações do Deus Triúno, como é possível que não O amemos cada vez mais? “Nunca haverá um tempo na Terra nem no Céu”, diz o falecido Dr. Upham, “em que não poderá haver um aumento do amor santo”. Do lado positivo da Inteira Santificação, então, pode haver e haverá crescimento indefinidamente e eternamente. E este é o verdadeiro crescimento na graça, sobre o qual muito mais poderia ser dito, mas deixamos isso para o presente, para retomar nosso tema principal da necessidade de Inteira Santificação nesta vida assim como a vida por vir.
Nós podemos fazer uma declaração definitiva como esta: Nenhum cristão pode fazer tudo que Deus quer que ele faça, nem desfrute de tudo o que Deus gostaria que ele desfrutasse neste mundo, sem a graça da Inteira Santificação. Na bela linguagem da metáfora, o Salvador diz: “Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o lavrador. Toda a vara em mim, que não dá fruto, a tira; e limpa toda aquela que dá fruto, para que dê mais fruto”. “Nisto é glorificado meu Pai, que deis muito fruto; e assim sereis meus discípulos”. Agora o fruto abundante requer para sua produção a vida abundante, e ambas são encontradas no Senhor Jesus Cristo. “Eu venho”, diz Ele, “para que possais ter vida (em Regeneração) e para que a possais ter mais abundantemente” (em Inteira Santificação). A vida abundante e o fruto abundante, portanto, só podem ser encontrados em conexão com a pureza do coração.
É sem dúvida verdade que todos os ramos vivos, isto é, todo crente justificado e regenerado, pode e deve, se ele mantiver sua religião, gerar alguns frutos. E isso é precisamente o significado destes ramos que estão dando frutos, a quem o Grande Noivo “purifica” – santifica – e que eles podem trazer mais fruto abundante pelo qual Ele mesmo será glorificado. E aqui nós podemos repousar o nosso argumento com um Q. E. D.[2], mas resta ainda uma ou duas observações.
O falecido Lord Tennyson pôde perceber, com o gênio de um poeta, íntima conexão entre pureza e poder. Ele coloca na boca de Sr. Galahad, um dos seus heróis, estas belas palavras:
“Minha força é como a força de dez, porque meu coração é puro”.
Agora uma das queixas mais comuns entre os cristãos de todas as denominações é por causa de sua fraqueza e sua magreza. E, no entanto, nada é mais claro do que o que Deus prometeu fazer ao Seu povo forte, que ele ordenou-lhes para ser forte no Senhor, e que não ser forte é até mesmo censurável, para não dizer criminoso aos seus olhos. A razão, então, de nossa fraqueza e nossa magreza e a mesquinhez de nossos frutos, não pode ser outra coisa senão porque não cumprimos as condições nas quais Ele promete nos fortalecer. Uma dessas condições, e indispensável, é que sejamos inteiramente santificados. Esses que conhecem o seu Deus, tanto na conversão como na Inteira Santificação, tanto em perdão como em pureza, são os que “serão fortes e farão proezas”. Amado, se você realizasse o trabalho que Deus lhe deu para fazer, e não tivesse que se arrepender de sua não-realização na eternidade, mesmo que você seja salvo pelo fogo, busque e encontre aquilo que é a condição essencial, e pergunte imediatamente o que precisa para ser totalmente santificado.
E se você tiver a plenitude da alegria, a alegria de uma salvação extrema, a paz que excede o entendimento, a comunhão com o Pai e com Seu filho, Jesus Cristo, o selo e a unção do Espírito, a pedra branca e o novo nome, a presença permanente do Consolador habitando em você, então ore para que o próprio Deus da Paz possa santificá-lo aqui e agora. Amém.
Tradução: Eduardo Vasconcellos
Dougan Clark é autor do livro A Teologia da Santidade, publicado pela Editora Sal Cultural, disponível aqui
[1] [Nota do tradutor] O termo aqui é Seeker, uma palavra que se tornou comum para definir alguém que está procurando uma casa espiritual, mas contempla recuperar identidades religiosas anteriores. Os Seekers abraçam o rótulo “espiritual, mas não religioso” e estão ansiosos para encontrar uma identidade religiosa completamente nova ou grupo espiritual alternativo onde eles possam finalmente se comprometer.
[2] Quod erat demonstrandum é uma expressão em latim que significa “como se queria demonstrar”.