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Por Justo Gonzalez

Em vários documentos publicados nas obras de Wesley encontramos narrativas que contam como a oposição veio ao movimento Metodista em suas origens.  Descrevem legiões fanáticas que atacaram as casas dos metodistas, quebraram vidros e móveis e abusaram dos habitantes. O próprio Wesley fala de várias reuniões que teve com tais grupos, muitas vezes capitaneados por elementos desordeiros que aproveitaram a oportunidade para criar agitação e apreender os pertences metodistas.

Essa oposição era de esperar-se, pois o movimento abalou os arredores com o seu apelo para uma nova vida, e tremeu mais ainda quando aqueles que responderam a esse chamado demonstravam que, pela graça de Deus, era possível viver uma vida diferente, mesmo em meio às circunstâncias mais difíceis. A santidade de vida que Wesley pregou, e que seus seguidores abraçaram, trazia muito constrangimento aos que não estavam preparados para dar esse passo, e por isso esse empenhe em criticar o movimento e até mesmo o ataque e a perseguição a seus seguidores.

No entanto, o pior não era isso. O pior era quando autoridades civis e eclesiásticas muitas vezes encorajavam tais ataques, ou pelo menos faziam vista grossa para não punir ou repreender aqueles que os perpetravam. Essa zombaria da lei e da equidade foi duplamente dolorosa para Wesley, que redundou em prejuízo não só para o nascente movimento, mas constituía uma violação da boa ordem – e em assuntos políticos Wesley sempre foi bastante conservador. É por isso que Wesley trabalhou para mostrar que tais atitudes e ações eram um ataque não apenas contra os metodistas, mas também contra a lei e a ordem.

Além disso, Wesley sabia que esses ataques turbulentos, e a indiferença ou hostilidade das autoridades, foram em parte devido a atitudes bastante difundidas entre os intelectuais e líderes religiosos. As turbas atuavam, pelo menos em parte, porque ouviram eco de críticas e preconceitos contra os metodistas que circulavam entre o clero, teólogos e políticos. E as autoridades civis se recusaram a tomar medidas, porque eles compartilhavam essas críticas e preconceitos.

Estas críticas logo vieram a luz em uma série de escritos contra Wesley e o Metodismo, onde Wesley foi acusado de subverter a ordem, de erros teológicos e, acima de tudo, de ser um “entusiasta”. Uma vez que o termo “entusiasmo” tem outro significado hoje, devemos explicar o sentido desse termo para o Inglês do século XVIII, porque sem ele é impossível compreender muito do que se segue. Para nós, hoje, o “entusiasmo” é a atitude comprometida, que leva à ação. Para o Inglês do século XVIII, em contraste, o termo “entusiasmo” ainda mantém muito do seu fardo epistemológico original, que se refere à possessão divina que experimentavam as sibilas[1]  ao dar seus oráculos. Um “entusiasmado” era então uma pessoa que se acreditava possuída por Deus, a ponto de ser capaz de falar em nome de Deus, mesmo fora da comunidade, da Bíblia, da tradição cristã, ou da razão. Tanto a igreja como a sociedade temiam tal suposta inspiração privada, que não aceitava intervenção em lugar algum, e que ao final podia dar rédea solta a suas próprias opiniões e, em algumas ocasiões, a suas próprias ações contra a moral comum.

Foi fácil para os adversários do Metodismo tachar o novo movimento de “entusiasmado”. Para isso, citavam expressões extraordinárias de emoção que se ouvía em algum dos lugares onde Wesley pregou, pessoas gritando, tremendo, chorando, caindo no chão, etc. Também afirmaram que o próprio Wesley havia se recusado a parar de pregar quando várias autoridades eclesiásticas tentaram detê-lo, o que parecia ser a atitude de um “entusiasta” cujas visões e revelações privadas eram mais importantes que a direção da igreja e seus ministros.

Wesley falava dos milagres que havia testemunhado, principalmente milagres de conversão, mas milagres de cura física ou proteção do perigo. E, além disso, Wesley insistiu que o movimento Metodista era “uma grande obra” que Deus estava fazendo no momento. Para as autoridades estabelecidas, que viram o movimento como uma desordem e falta de obediência, a única forma que alguém poderia se atrever a dizer que era uma obra de Deus seria ele ser um “entusiasta”, e assim deixar-se levar por sua própria opinião e não pelo juízo da igreja. Além disso, Wesley foi acusado de promover a desordem. Aqueles tumultos e os motins que Wesley tanto deplorava foram utilizados como prova de que o movimento causava distúrbios e, portanto, era contra o bem-estar social.

Finalmente, ele foi também acusado de erros teológicos. Dizia-se, por exemplo, que o que ele pregou sobre o novo nascimento e a santificação estava errado, que era contra os ensinamentos da Bíblia e da Igreja da Inglaterra, que incentivou a arrogância de alguns “santarrões”, etc. Como parte desses comentários de ordem teológica, também se dizia que não havia unidade no discurso do movimento e por isso os crescentes conflitos entre Wesley e os morávios, e as divergências doutrinárias entre Wesley e Whitefield foram sempre citados.

As acusações e críticas começaram a circular desde o início do movimento. Mas o que deu munição para os inimigos do Metodismo foi a publicação do primeiro Diário de Wesley. Nele, Wesley falava sobre suas experiências íntimas religiosas, bem como o processo pelo qual o movimento tinha ganho ímpeto, algumas divergências internas, seus conflitos com as autoridades eclesiásticas, além de conversões e eventos milagrosos ou misteriosos que tinha presenciado. Armados com estas ferramentas, os inimigos partiram para publicar críticas onde Wesley era constantemente citado, embora muitas vezes eles omitiam ou distorciam as narrativas para servir os seus próprios fins.

Foi em resposta a esses ataques que Wesley escreveu a obra incluída neste volume. Os “Apelos”, assim chamados, foram publicados em 1743 e 1745, e tentam responder de maneira sistemática a todas elas, bem como outras de menor importância. Wesley sempre pensou que os dois tratados estavam entre seus melhores trabalhos, e que tinham uma defesa do Metodismo que deveria ser aceita por qualquer pessoa de juízo e boa-fé. Neles, e muito mais no primeiro do que no segundo, Wesley mostra sua habilidade como um pensador sistemático e polemista, e também demonstra que ele aprendeu a usar o estudo formal da lógica que tinha feito em Oxford.

Uma das pessoas que escreveram contra o Metodismo foi o bispo de Londres, Edmund Gibson, pessoa influente que tinha encomendado Charles Wesley e que sempre teve relações cordiais com Wesley. Respeitosamente, Wesley respondeu a algumas das alegações no segundo “Apelo”, e também escreveu uma carta que não está incluída nesta série. Mais grave foi o conflito com George Lavington, bispo de Exeter e um dos prelados mais ilustres e poderosos de seu tempo. Alguém acusou o bispo de ter simpatias pelos Metodistas, e ele respondeu com uma negativa retumbante em sugerir tal possibilidade; pelo contrário, acusou os metodistas de forjar tais rumores. A condessa de Huntington, um amiga de Whitefield, forçou o bispo a se retratar. Isso ele fez, mas em 1759 publicou anonimamente um tratado sobre o entusiasmo dos metodistas e papistas. Foi um ataque virulento que dizia meias verdades, distorcia as palavras de Wesley, e dava a entender que Wesley e seus seguidores tinham afinidade com o Papa e, portanto, eram politicamente subversivos. Whitefield e outro metodista publicaram respostas a esse tratado anônimo, mas, não desanimado, Lavington publicou duas continuações à escrita original. Foi em resposta a essas seqüelas que Wesley escreveu outras duas longas “cartas”.

Embora Wesley soubesse que o autor dos ataques anônimos fora o Bispo Lavington, seus escritos são direcionados para o autor anônimo, e isso permite que ele seja mais livre em seus ataques do que ele teria sido numa resposta a um bispo. Portanto, neste texto Wesley atesta a sua habilidade como um debatedor, às vezes com toques de ironia, que ele mesmo não teria se permitido em uma carta a um bispo da Igreja da Inglaterra.

[1] Sibilas são um grupo de personagens da mitologia greco-romana. São descritas como sendo mulheres que possuem poderes proféticos sob inspiração de Apolo

Editora Sal Cultural - Coleção Grandes Temas da Teologia

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