Por Felipe Fulanetto
Em 1792 é publicado o livro que revolucionou toda a história da igreja cristã, chamado resumidamente de “Investigação” do humilde sapateiro inglês William Carey. Primeiramente influenciado pelos fascinantes e exóticos livros do Capitão Cook em suas viagens marítimas, mas posteriormente guiado pela sua forte convicção bíblica-teológica, Carey determinou em desbravar a inércia da igreja em fazer missões e dedicou mais de 40 anos no solo indiano para proclamar a Cristo, traduzir a Bíblia e estabelecer igrejas e universidades. Certamente não foram as experiências lidas do Capitão Cook que fizeram Carey perseverar em meio aos inúmeros problemas, mas a sua convicção bíblico-teológica sobre a responsabilidade de toda a igreja em pregar o evangelho para todo o mundo.
O quanto conhecemos à bíblia determina o quanto somos envolvidos com a obra missionária. Quanto mais a lemos, mais temos convicção da nossa responsabilidade. Quanto mais a vivemos, mais a proclamamos. Teologia e missiologia caminham e dialogam entre si e jamais deveriam ser divorciadas. No entanto, infelizmente devemos muitas vezes concordar com a declaração de Michael Green que “a maior parte dos evangelistas não se interessa muito por teologia; e a maioria dos teólogos não se interessa muito por evangelização”[1].
Por isso, neste livro desejo desenvolver uma ponte entre a teologia e a missiologia, mais precisamente com a teologia wesleyana. Tenho a intenção de resgatar o valor do estudo teológico acompanhado com o fervor missionário, sendo fiel a nossa tradição armínio-wesleyana, desta forma buscando singelamente desenvolver uma missiologia wesleyana na perspectiva brasileira. Entretanto, vale ressaltar que essa obra não é um livro de teologia sistemática ou de introdução à missiologia. Muito menos pretendo exaurir todos os assuntos missionários possíveis relacionados a cada artigo de fé, em realidade, muitas vezes tive a dura decisão de excluir um tema para dar lugar a outro.
Ainda devemos nos perguntar: porque usar a palavra missional? Em primeiro lugar, missional e missionário são distintos. Historicamente a palavra “missionário” refere-se as atividades da igreja em direção aos povos de outras culturas, isto é, a clássica visão do missionário sendo enviado para outro país. A concepção de missional, no entanto, refere-se a um estilo de vida orientado para fora da igreja com intuito de evangelização, ou seja, a responsabilidade missionária e evangelística não recai somente para os “profissionais” missionários, mas para todos cristãos. Assim como definiu Michael Goheen, “missional descreve não uma atividade específica da igreja, mas a própria essência e identidade da igreja à medida que ela assume seu papel na história de Deus no contexto de sua cultura e participa na missão de Deus para o mundo”[2].
Por isso, falar de artigos de fé na ótica missional[3] é dizer que os artigos não são meramente filosóficos ou técnicos, não é apenas para sermos ortodoxos nas crenças ou sabermos defender apologeticamente as nossas convicções. No entanto, falar de uma ótica missional é defender que a nossa crença, doutrina ou teologia é essencialmente atrativa, evangelística, prática e missionária. Os artigos de fé não são para ser memorizados, mas para ser vividos; não são para catequizar, mas para criar vidas; não são para segregação, mas para inclusão. Uma igreja missional é orientada para fora, para os perdidos, para os oprimidos. Portanto, missional é estar em sintonia com a Missão de Deus.
Ao escrever esse livro me direciono aos seminaristas, pastores, líderes, missionários e leigos com ensejo de conhecer mais da doutrina wesleyana, especialmente da Igreja do Nazareno, espero apresentar o conteúdo em um formato organizado, atrativo e explicativo. Também tentei, dentro do possível, trazer argumentos apologéticos da nossa fé em frente a outras religiões e experiências concretas de missionários, passando assim o ensino para a prática. Para aqueles que desejam um estudo comparado e apologético da teologia calvinista e arminiana, não se satisfarão com esse livro, pois ainda que o mesmo tenha o seu valor acadêmico, este livro não se propõe para este fim.
A Igreja do Nazareno tem dezesseis artigos que resumem a doutrina adotada pela denominação, os quais seguem uma linha lógica sucessória, que foram divididos da seguinte maneira: (1) Revelação Divina, (2) Provisão Divina, (3) Salvação Divina, (4) Povo Divino, (5) Reino Divino. Desta maneira, o livro é separado em cinco tomos levando o nome de cada divisão dos artigos. Este presente tomo, Revelação Divina, obteve este nome, pois entendemos que Deus se revelou na história da criação progressivamente, iniciando com a Santíssima Trindade ou “O Deus Trino” (cap. 1); posteriormente o próprio Deus veio em forma humana, no ápice da revelação, encarnando em “Jesus Cristo” (cap. 2); e este, o filho de Deus, revelou o Deus “Espírito Santo” (cap. 3); que consequentemente inspirou desde o antigo testamento até aos apóstolos à compilarem “as Escrituras Sagradas” (cap. 4).
Vocês poderão ver que em cada artigo de fé serão desenvolvidas três perspectivas: (1) a definição teológica; (2) a base bíblica; e (3) a ótica missional. No primeiro ponto procuro definir termos técnicos e explanar dentro da teologia os significados mais acadêmicos. Já na segunda perspectiva, remonto as bases bíblicas que corroboram e aprovam as definições teológicas preestabelecidas, partindo do pressuposto que a Bíblia é o manual de fé e prática. Por último, a partir do que foi desenvolvido na primeira e segunda perspectiva é posto, então, na esteira da ótica missional, buscando aplicabilidade e temáticas correlacionadas aos artigos de fé.
Entendo que há pontos teológicos divergentes dentro da tradição Armínio-Wesleyano, porém sendo fiel a história de uma igreja de via media devemos preservar a unidade e o respeito, abstendo de polêmicas desnecessárias. Contudo, como é impossível ser inteiramente neutro, certamente haverá posições teológicas pessoais em certos assuntos.
Meu sincero desejo, portanto, é entregar uma ferramenta útil na mão de todos que desejam conhecer mais a doutrina e teologia wesleyana e inflamá-los para realizarem a obra missionária até os confins da terra. Espero que tenha uma boa leitura e faça um bom proveito de todo o conteúdo.
[1] GREEN, Michael. Evangelização na Igreja Primitiva. São Paulo: Vida Nova, 1984, p. 7.
[2] GOHEEN, Michael W. A Igreja Missional na Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 2014, p. 20.
[3] Como toda nova terminologia, o conceito não é inovador, mas reciclador, recuperando ideias e ensinamentos antigos dando uma nova roupagem. Uso esse termo sem medo de errar, no entanto, devemos tomar cuidado para não caímos em extremismo. Por um lado sermos missionais e esquecermos a obra transcultural, por outro lado sermos missionários e esquecermos nossa responsabilidade local.