Ele é professor do Seminário Teológico Nazareno – NTS, em Kansas, EUA, e pesquisador sênior na Faculdade Teológica Nazarena em Manchester, UK e estará aqui no Brasil por ocasião do I Simpósio de Teologia Wesleyana que será realizado na Faculdade Nazarena do Brasil, em Campinas, nos dia 30 e 31 de outubro. O Dr. Thomas Noble, autor do livro Trindade Santa, Povo Santo: a teologia da perfeição cristã (Sal Cultural, 2015), concedeu uma entrevista exclusiva ao jornal O Wesleyano do Século XXI onde trata de assuntos relativos à Teologia Wesleyana e ao seu livro, que se lançado aqui no Brasil durante o Simpósio.
O Wesleyano – Dr. Noble, é a primeira vez que você vem ao Brasil. E vem para participar de um evento acadêmico na Faculdade Nazarena. Quais são suas expectativas para sua participação neste Simpósio de Teologia Wesleyana?
Thomas Noble – Sim, de fato, esta é a minha primeira visita ao Brasil e à América do Sul. Estive em todos os outros continentes e estive recentemente na Guatemala, que não é, estritamente falando, América do Sul, não é?
Estou muito ansioso para este evento. Quero parabenizar a Editora Sal Cultural por fazer a primeira tradução do meu livro. Eu já apresentei o esboço do livro em conferências para pastores nos Estados Unidos, e também nas Filipinas no ano passado. Isso produziu uma conversa animada e interessante, e eu tenho certeza que vai ser assim também no Brasil.
O Wesleyano – A Faculdade Nazarena está criando um Núcleo de Estudos Wesleyanos formado por professores e pastores. Qual a importância de um grupo de estudos teológicos como esse para a Faculdade e para a Igreja do Nazareno aqui no Brasil.
Thomas Noble – É de importância vital! Uma coisa é uma igreja experimentar um crescimento rápido, e outra totalmente diferente sustentar esse crescimento a longo prazo. Para isso, ela deve ter uma visão clara de sua vocação particular e missão mais ampla dentro da Igreja de Cristo. Somos chamados a cooperar com todos os nossos irmãos e irmãs em Cristo para pregar o evangelho e fazer discípulos semelhantes a Cristo. Mas na Tradição Wesleyana temos riquezas particulares de nutrição espiritual. Como estes grupos fornecem um guia para o crescimento e a maturidade cristã, eles ajudam a construir igrejas mais sólidas, onde a próxima geração pode ser orientada e fortalecida na fé. Somente igrejas sólidas com cristãos maduros irão sobreviver além da primeira geração.
O Wesleyano – A Teologia de John Wesley oferece um discurso diferencial para igreja contemporânea?
Thomas Noble – Sim, com certeza. Muitos de nossos irmãos e irmãs evangélicas pertencem a tradições que se concentram no evangelho. Então, eles pregam que “Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras.” Eles também deixam clara a grande verdade bíblica da justificação pela graça mediante a fé conforme definido na Reforma Protestante. Mas, muitas vezes, pode dar a impressão de que se tornar um cristão é apenas uma questão de sermos perdoados. Outros podem se alegrar em experimentar o Espírito Santo, mas eles não podem viver a santidade que o Espírito Santo produz em nós – o coração puro, o fruto do Espírito. A tradição Wesleyana, em minha opinião, dá uma ênfase maior na transformação que acontece no novo nascimento. Nós não somos somente justificados, somos regenerados. Nós nascemos de novo. Não há apenas uma mudança relativa, há uma mudança em nosso relacionamento com Deus. Há uma mudança real. A teologia Wesleyana ensina que a santificação inicial começa na regeneração. E a vida dos novos cristãos continua amadurecendo, na santificação gradual, que é essencial para o cristão chegar a inteira santificação que é quando o Espírito Santo purifica o nosso coração, enchendo-nos com o seu amor perfeito.
O Wesleyano – Ao longo dos seus 40 anos como professor, você se dedicou ao ensino da doutrina da santidade e da teologia da perfeição cristã. Hoje, muitas igrejas do Movimento de Santidade já não pregam a santidade. Como você analisa essa questão?
Thomas Noble – É difícil estabelecer os fatos aqui. É verdade que muitos já não pregam santidade? Tive respostas a alguns questionários que indicam o contrário. Mas sem dúvida, há muitos pregadores do movimento de santidade hoje que não estão pregando esta mensagem. O que pode explicar isso? Sugiro uma primeira razão: esta não é uma doutrina fácil. Escalar montanhas não é tarefa fácil! Pregadores têm que dedicar tempo e esforço para estudar essa doutrina ou então eles apenas irão confundir as pessoas. Em segundo lugar, parte da resposta pode estar em nossa tentativa de tornar a doutrina simples, a fim de comunicá-la. Mas isso pode resultar em slogans simplistas e estereotipados. Então, os pregadores podem facilmente apresentar a noção de que com um passo de fé todos os nossos problemas podem ser resolvidos magicamente! Em nosso entusiasmo para pregar a doutrina, alguns no passado pode ter tendência para o excesso de simplificar, dramatizar, e de vender a doutrina de qualquer maneira. Uma simples ida ao altar pode resolver todos os nossos problemas! O resultado, claro, é uma profunda desilusão. Os cristãos sinceros dizem, ‘Eu tentei isso, e eu vim à conclusão de que não há nada nele’. Em terceiro lugar, eu suspeito que nós não colocamos a devida ênfase na santificação gradual – a necessidade de auto-disciplina diária, oração diária e estudo da Bíblia, uma caminhada passo a passo, dia-a-dia com o Senhor. Deste modo, quando se trata de tempo para reuniões especiais e avivamentos, estamos apenas “reavivando” nossas inclinações, folgas e discipulados indiligentes. Isso significa que muitos não estão avançando, mas apenas recuperando o território perdido.
O Wesleyano – Volta a tona nestes últimos anos a questão do pastor-leigo, do pastor-teólogo e até do ministro leigo. Você acha possível conciliar as atividades acadêmicas com a prática pastoral?
Thomas Noble – Bem, deve ser possível combinar atividades acadêmicas com a prática pastoral. Se queremos dizer com ‘atividades acadêmicas’ estudo em curso de pregação da Bíblia e preparação semanal para pregar para seu povo, então, é essencial para a nossa compreensão do ministério protestante. Numa reação contra os sacerdotes ignorantes que recitavam um Latim que eles não entendiam, os reformadores protestantes enfatizaram que os pastores deviam ser escolarizados, e que deveriam continuar o estudo ao longo da vida para permanecer atualizados na pregação. Um pastor que não estuda não está fazendo o seu trabalho!
Mas a outra questão é como isso pode funcionar para o pastor “bi-profissional” ou o ministro leigo. E isso pode tonar-se um problema particular para alguém apoiar uma família, quando o chamado para o ministério veio na idade madura. Creio que nunca devemos perder de vista a crença de que a melhor maneira de se preparar para o ministério é em tempo integral, estudando numa faculdade residencial! Que tem benefícios em moldar e formar o ministro que nada mais pode substituir. Qualquer denominação que quer sobreviver em longo prazo para além do seu surto inicial de crescimento deve tornar possível para o maior número possível de aspirantes ao ministério o acesso a esse tipo de formação integral, pois é uma profunda preparação para o ministério.
No entanto, temos de encarar os fatos econômicos. Isso não será possível para todos. Assim, alguns serão chamados para um ministério bi-profissional ou ministério leigo, então de alguma forma eles têm que fazer malabarismos com trabalho, estudo e deveres pastorais. Isso não é fácil. Devemos ajudá-los o máximo possível. Mas isso não deve tornar-se um substituto para o estudo universitário em tempo integral para o maior número possível.
O Wesleyano – No seu livro, Trindade Santa, Povo Santo, você defende que a teologia deve ser dinâmica e contextualizada. É possível que cada geração de cristãos recrie a teologia? Como deve ser o desenvolvimento da teologia?
Thomas Noble – A contextualização da nossa teologia é essencial em todas as culturas e em todas as gerações. Isso vem acontecendo desde que a igreja de Antioquia enviou Paulo e Barnabé a pregar aos gentios e é fascinante ver como a mensagem do evangelho foi contextualizada na missão gentílica lá no livro de Atos e nas epístolas. Mas o evangelho essencial não foi alterado: “Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras” (I Cor. 15: 3). E que evangelho é a raiz e ponto de partida de toda a verdadeira teologia cristã. Como Martin Lutero colocou, a verdadeira teologia cristã se distingue de todas as outras teologias na medida em que é uma teologia da cruz. Assim, podemos traçar a contextualização do evangelho cristão na teologia da cultura greco-romana, em seguida, na cultura dos bárbaros pagãos que destruíram o império romano ocidental levando para o florescimento da teologia medieval, em seguida, na teologia do período moderno começando com a Renascença e a Reforma, e agora hoje na contextualização do evangelho em uma multiplicidade das culturas ao redor do mundo. Mas o que precisamos observar é a continuidade em meio à mudança. Então, nós não vamos criar teologia cristã novamente em cada geração. Em vez disso, iremos traduzi-la. Mas nós traduziremos o mesmo evangelho. O Verbo se fez carne uma vez.
O Wesleyano – Você prefere Teologia Bíblica ou Sistemática? Por que?
Thomas Noble – Meu interesse e vocação particular têm sido no ensino de Teologia Sistemática. Mas, como protestante evangélico que acredita que a Bíblia é a base para toda a nossa teologia, temos que fundamentar a Teologia Sistemática na Bíblia. Eu gosto de colocar da seguinte maneira: que Teologia Bíblica está preocupada com o que está explícito na Bíblia enquanto a Teologia Sistemática está preocupada com o que está implícito na Bíblia – o que a Bíblia implica. Não é explícito na Bíblia que Deus é “uma substância em três pessoas ‘. Esse termo foi cunhado por Tertuliano. Mas a doutrina da Trindade está implícita na Bíblia e, sem a doutrina, a fé cristã iria entrar em colapso na incoerência.
O Wesleyano – Qual a mensagem que você deixa para o jovem seminarista que esta iniciando seus estudos teológicos?
Thomas Noble – Em primeiro lugar, mantenha sua vida de oração e seu estudo em conjunto. Ore sempre sobre o que você está estudando. Em segundo lugar, mantenha-se envolvido na vida, na comunhão e no trabalho da igreja, mas encaixe esse tempo de tal maneira que priorize seu compromisso com os estudos. Esta é provavelmente a única vez em sua vida quando você estará unicamente dedicado ao estudo. Terceiro, desenvolva uma rotina diária muito disciplinada (com pausas ocasionais para pura diversão que o mantém humano!). Em quarto lugar, desenvolva a habilidade de leitura muito. Leia o máximo que puder das bibliografias que são dadas. Mergulhe em cada livro e, em seguida, escolha os que pretende tomar notas a respeito e aprofundar no estudo. Em quinto lugar, fique atento aos prazos e faça seu planejamento com antecedência. Em sexto lugar, divirta-se! Discuta, debata e converse com os seus colegas. Não há maior alegria do que ser parte de uma irmandade dedicada a conhecer ao Senhor, andando com o Senhor, e “interrogando-o no templo” (Lc 2.46).