Já um homem famoso, seu filho John Wesley lhe solicitou para que ela escrevesse alguns detalhes da criação de seus filhos, ao que ela consentiu relutantemente. Ela confessou, no entanto, dizendo: “Ninguém pode seguir o meu método se não renunciar o mundo no sentido mais literal. Há poucos, se houver, que devotariam cerca de vinte anos do primor de sua vida na esperança de salvar as almas dos seus filhos.”

Susanna Wesley praticava o que ensinava aos seus filhos. Muito embora ela tivesse dado à luz dezenove filhos, e fosse uma mulher naturalmente frágil e ocupada com muitos cuidados da família, ela separava duas horas diárias para devoção a sós com Deus. Susanna tomou esta decisão quando já dera à luz nove filhos. Não importava o que ocorresse, ao badalar do relógio ela se retirava para comunhão espiritual. O treinamento que Susanna Wesley deu a seus filhos foi mencionado na carta enviada a John Wesley, seu décimo-quinto filho.

Carta

Querido filho, de acordo com o seu desejo, juntei as regras principais que observei na educação da minha família; as quais lhe envio como se me apresentaram à mente, e você (se julgá-las de proveito), pode dispô-las como quiser. As crianças sempre tinham de conformar-se a certo método de viver, em certas coisas compreensíveis, desde o nascimento; tais como vestir, despir, mudança de fralda, etc.

O primeiro trimestre se passava em dormir. Depois daquilo, elas eram, se fosse possível, deitadas no berço acordadas, e balançadas até caírem no sono; e assim eram balançadas até a hora para acordar. Isto se fazia para acostumá-las a certas horas para dormir: a princípio três horas pela manhã, e três horas à tarde; depois, duas horas até não precisarem mais disto.

Quando chegavam à idade de um ano (e algumas antes disto), eram ensinadas a temer a vara, a chorar brandamente, o que lhes poupou muitas outras correções que de outra maneira teriam sofrido; assim, aquele barulho odioso de crianças chorando raramente se ouvia em nosso lar; e a família vivia usualmente em tanto silêncio como se não houvesse criança no meio dela.

Uma vez crescidas e mais fortes, eram limitadas a três as refeições do dia. Na hora do jantar suas cadeiras pequenas ficavam perto das nossas, onde podiam ser servidas; e era-lhes permitido comer e beber tanto quanto quisessem, mas não gritar para coisa alguma. Se quisessem alguma coisa, deviam pedi-la, em voz baixa, à empregada que zelava delas, então a empregada se comunicava comigo.

Logo que pudessem usar garfo e faca, tomavam seu lugar à mesa. Não lhes era permitido escolher a comida que tomavam, mas tinham de comer as coisas que foram preparadas para a família.Pelo café, tomavam a comida servida com a colher; e, às vezes, à noite. Mas fosse qual fosse a comida na mesa, não lhes era permitido comer, naquela refeição, mais do que uma coisa, e isso com moderação. Bebendo e comendo entre as refeições, senão em caso de doença, que raras vezes aconteceu. Não lhes era permitido ir à cozinha para pedir qualquer coisa às empregadas, quando estavam à mesa comendo. Se o fizessem eram castigadas e as empregadas repreendidas.

Às dezoito horas, logo que terminasse o culto doméstico, jantavam; às dezenove horas, a empregada dava banho nelas; e, começando com a mais nova, ela mudava a roupa delas e preparava para a cama às vinte horas. Então, deixava-as nos seus respectivos quartos acordadas; porque não existia em nossa casa o costume de ficar alguém ao lado da cama até caírem no sono. Elas ficaram tão acostumadas a comer e beber o que lhes era dado que, quando alguém ficava doente, não havia dificuldade em conseguir que tomasse o remédio ainda que de mau paladar; porque não devia recusá-lo, mesmo que o vomitasse logo. Faço menção disto para demonstrar que uma pessoa pode ser ensinada a tomar qualquer coisa, ainda que seja fortemente repelida pelo estômago.

A fim de formar a mente das crianças, a primeira coisa a ser feita é vencer-lhes a vontade, e trazê-las ao ponto de obedecer. Formar o entendimento é obra que exige tempo, e deve, com crianças, ir devagar, segundo possam aceitá-lo. Mas a sujeição da vontade é coisa que tem de ser feita duma vez; e quanto mais cedo tanto melhor. Se acaso negligenciar em corrigi-la a tempo, tornam-se as crianças teimosas e obstinadas, o que é difícil corrigir sem castigo severo; então seria tão penoso para mim como para a criança. Na estima do mundo, passam por pais de bondade e indulgência; eu, porém, os considero cruéis, se permitirem que suas crianças formem hábitos, de que sabem mais tarde têm de ser corrigidas. Não só; alguns estupidamente gostam, com ares de brincadeira, de ensinar a seus filhos, fazerem coisas, pelas quais têm de castigá-las severamente mais tarde.

Quando uma criança for corrigida, deve ser vencida, e não será coisa difícil de fazer, se já não está viciada pela demasiada indulgência. E quando a vontade da criança está completamente vencida, e está pronta a obedecer aos pais, então muitas tolices e inadvertências podem passar sem reparação. Algumas podem ser passadas por alto, e outras corrigidas brandamente; mas desobediência voluntária não se deve perdoar na criança, sem ser castigada, mais ou menos de acordo com a ofensa e circunstância.

Eu insisto no vencimento da vontade da criança, cedo, porque este é o único, forte e racional fundamento da educação religiosa; sem o qual tanto o preceito quanto o exemplo ficam sem efeito. Mas quando isto é bem feito, então a criança é capaz de ser governada pela razão e piedade dos pais, até o seu entendimento amadurecer, e os princípios da religião criar raízes na sua mente. Não posso largar o assunto. Visto que a obstinação é a raiz de todo pecado e miséria, tudo o que a alimenta na vida da criança, garante a sua miséria e irreligião; tudo que a restringe e mortifica, promove a felicidade e piedade da criança no futuro.

Isto mais se salienta se considerarmos ainda que a religião não é mais nada do que fazer a vontade de Deus, e não a nossa própria vontade; que o único e grande impedimento à nossa felicidade temporal e eterna é a obstinação, qualquer indulgência dela não pode ser coisa trivial. O céu e o inferno dependem somente disso. Portanto, os pais que se esforçam para subjugá-la no seu filho, cooperam com Deus na renovação e salvação da alma; os pais que favorecem ajudam o diabo na sua obra, tornando a religião impraticável, a salvação incerta; e concorrem para a condenação da criança, corpo e alma, para sempre.

Às crianças do nosso lar, logo que podiam falar, era ensinado o “Pai Nosso”, que tinham de repetir na hora de deitar e levantar; ao qual, quando maiores, se acrescentava uma oração pelos pais, e algumas orações outras, o catecismo pequeno e algumas porções das Escrituras, de acordo com a sua capacidade. Muito cedo na sua vida, meus filhos, aprenderam distinguir entre o domingo e os outros dias da semana; sim, antes de poderem falar ou andar.

Aprenderam cedo a ficarem quietos na hora do culto doméstico, e a dar graças à mesa, pelos gestos, antes de poderem ajoelhar-se ou falar. Logo aprenderam que não seriam atendidas se gritassem por alguma coisa, e tinham de falar com delicadeza quando pediam alguma coisa. Não lhes era permitido pedir à mais humilde empregada, sem dizer: “Tenha a bondade de me dar tal e tal coisa”; e a empregada era repreendida se não exigisse tal respeito. Tomando o nome de Deus em vão, blasfemando e jurando, profanidade, obscenidade, nomes feios ou menos respeitosos, não se ouviam entre elas. Não lhes era permitido chamar um ou outro pelo nome próprio sem acrescentar irmão ou irmã.

A nenhum se ensinava a ler antes dos cinco anos de idade, mas Kezzy, por exceção se tentou mais cedo; o fato é que levou mais tempo para aprender do que os outros. O método de ensiná-los era o seguinte: no dia antes de começar a aprender, a casa era posta em ordem; cada qual tinha a sua tarefa, e ordens eram dadas para que ninguém entrasse na sala desde nove horas até o meio dia, ou desde as quatorze horas até às dezessete, que era, como você sabe, as horas da escola. Um dia era designado para aprender todas as letras, minúsculas e maiúsculas, exceto para Molly e Nancy, que levaram um dia e meio para aprendê-las perfeitamente; pelo que as julguei estúpidas; mas desde que descobri quanto tempo leva para crianças aprender o “horn-book”, mudei de opinião.

A razão que me levou a pensar que elas eram estúpidas era o fato de que as outras aprenderam-nas em menos tempo. Seu irmão Samuel foi a primeira criança que, segundo ouvi, aprendeu o alfabeto em poucas horas. Aos 10 de fevereiro fez cinco anos; no dia seguinte, começou a estudar, e logo que sabia as letras, começou a ler o primeiro capítulo de Gênesis.

Foi ensinado a soletrar o primeiro versículo, então lia e lia repetidas vezes, até que pudesse fazê-lo sem hesitação; depois o segundo, e assim por diante, até que pudesse tomar dez versículos por lição. Não demorou para fazê-lo. A Páscoa veio cedo este ano, e, no Domingo de Pentecostes, já podia ler bem um capítulo; e tinha memória tão prodigiosa, que não lembro de lhe ter repetido a mesma palavra duas vezes. O que nele foi singular é que qualquer palavra que uma vez tivesse aprendido nas lições, ele a reconhecia em qualquer lugar, ou na Bíblia, ou em qualquer outro livro, por isso aprendeu autores ingleses bem.

O mesmo método foi observado com todos os filhos. Logo que sabiam as letras, começaram a soletrar, então a ler uma das duas linhas, e depois um versículo; não lhes era permitido passar adiante enquanto não soubessem perfeitamente todas as palavras já estudadas. Um ou outro continuara a ler sem cessar até a hora de recreio, e antes de sair lia tudo que tinha estudado no período da manhã, e assim no fim do dia, tinha lido tudo o que estudara durante o dia.

Não havia tal coisa como falar em voz alta, pois cada qual se dedicava ao seu estudo, por seis horas de aula. E é quase incrível o quanto pode cada criança aprender em três meses, pela aplicação vigorosa, se a criança tiver capacidade e boa saúde. Cada qual, exceto Kezzy, podia ler melhor neste período do que a maioria das mulheres em toda a sua vida. Sair do seu lugar, ou sair da sala não lhes era permitido, sem boa razão; correr no jardim ou na rua, sem permissão, era considerado falta grave.Por alguns anos fomos muito bem.

Nunca houve crianças que se comportassem mais bem, nem mais bem dispostas à piedade, ou que obedecessem melhor aos pais, até aquela dispersão fatal por outras famílias, depois do incêndio da casa paroquial. Sendo espalhadas por diversos lares, tiveram toda a liberdade de conversar com as empregadas, o que antes era restringido, correr por qualquer parte e brincar com as crianças boas ou más. Logo se esqueceram de observar o Dia do Senhor, e aprenderam cânticos e coisas ruins, que antes não sabiam.

Aquele procedimento civil assaz apreciado no lar, por todos que as viam, em grande parte, se perdeu; a maneira de pronunciar certas palavras era já grosseira, e modos rudes aprenderam, o que custou para corrigir. Reconstruída a casa e as crianças todas de novo no lar, começamos uma reforma rigorosa; então adotamos o costume de cantar Salmos na abertura das aulas, de manhã e à tarde. Então, também, a observância de um retiro geral, às dezessete horas, quando o mais velho tomava o mais moço que podia falar, e a segunda outra na ordem da idade, os quais liam os Salmos que tinham estudado durante o dia, e um capítulo do Novo Testamento; da mesma sorte na hora de levantar, elas tinham de ler os Salmos e um capítulo do Antigo Testamento; depois disto, cada qual fazia oração particularmente, antes de almoçar ou juntar-se com a família.

E, dou graças a Deus, que o costume é ainda observado entre nós.Havia diversos regulamentos observados entre nós, que não me lembrava na hora, de outra maneira teria incluído no lugar próprio; mas vou mencioná-los aqui, porque julgo que são úteis: Tendo-se observado que a covardia e o medo do castigo freqüentemente levam as crianças a mentir, até se acostumarem a fazê-lo a ponto de não poderem deixá-lo. Para evitar isso, determinou-se que qualquer um que fosse acusado de ter cometido falta da qual era de fato culpado, se a confessasse sinceramente, e prometesse corrigir-se, não seria castigado. Esta regra evitou grande número de mentiras, e teria feito mais se todos os membros da família a tivessem observado. Mas um recusou observá-la, e, portanto, sofreu enganos pela dúvida se todos teriam procedido assim, e se teriam sido tratados com bondade; alguns, porém, sempre falaram a verdade francamente.

Que nenhum ato pecaminoso seria permitido passar em branco sem ser castigado, tais como: mentir, brincar na igreja, ou no Dia do Senhor, desobedecer, brigar, etc. Que nenhuma criança seria corrigida ou castigada duas vezes pela mesma falta; se o fosse, não seria mencionada outra vez a falta.

Que cada sinal de obediência, especialmente quando era contrário a sua inclinação, devia ser reconhecido e recompensado de acordo com os métodos do caso.

Que se qualquer criança fizesse um ato de obediência, ou qualquer coisa com intenção de agradar, ainda que o modo em si de fazê-lo não agradasse, contudo a obediência e intenção de agradar eram aceitas, e a criança ensinada com bondade como devia fazer no futuro.

Que a propriedade deve ser conservada, e a ninguém era permitido invadir a propriedade de outro, nem nas coisas mínimas, mesmo que não valesse dez centavos, ou um alfinete; tais coisas não deviam ser tomadas sem consentimento do dono, e muito menos, contra a sua vontade. Esta regra não pode ser incutida demasiadamente na mente da criança. E por causa dos pais é que às vezes procedem assim, reina a negligência vergonhosa da injustiça, que observamos no mundo.

Que promessas feitas sejam rigorosamente guardadas; um presente uma vez entregue não deve ser reclamado, mas deixado a disposição daquele que o recebeu, a não ser que fosse dado condicionalmente, e a condição não fosse cumprida.

Que nenhuma menina seria ensinada a trabalhar antes de aprender a ler bem; só então seria entregue ao trabalho e conservada a seu serviço, com a mesma aplicação e pelas mesmas horas observadas na leitura. Esta regra deve ser observada, porque o fato de meninas serem obrigadas a trabalhar (coser, por exemplo), antes de aprender a ler bem, é a razão por que tão poucas mulheres sabem ler bem com aceitação e não são entendidas.

Ajuda-me Senhor, a lembrar que religião não é estar confinada à igreja ou a um cômodo, nem se exercitar somente em oração e meditação, mas é estar sempre na Tua presença.

Susanna Wesley, Epworth, 24 de julho de 1732.

Editora Sal Cultural - Coleção Grandes Temas da Teologia

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