Por Alcimar Santos
Os dois artigos que escrevi para O Wesleyano do Século XXI, tiveram influência do momento que estava vivenciando. No primeiro, influenciado pelas entrevistas ministeriais da Igreja do Nazareno (Distrito Nordeste Setentrional), escrevi sobre Vocação Pastoral numa perspectiva wesleyana (um brevíssimo artigo, diga-se de passagem). Este agora, influenciado pela Conferência Missionária do nosso distrito, onde ministrei sobre o tema de Misericórdia (Compaixão)[1] com Propósitos, resolvi escrever este breve ensaio tratando sucintamente desta temática.
Misericórdia pode ser definida como a manifestação exterior de piedade; presumindo necessidade por parte daquele que a recebe, e recursos adequados para satisfazer a necessidade por parte daquele que a mostra. Também significa piedade, compaixão pelas adversidades dos outros. Em relação aos homens, refere-se ao sentimento (compaixão) que os crentes devem sentir e mostrar[2]. Por sua vez, compaixão tem a ver com piedade, um sentimento de aflição pelas adversidades dos outros. Ser movido como pelas entranhas, sensibilizar-se por compaixão; sofrer com o outro; mostrar generosidade[3].
Tim Keller, em seu excelente livro sobre o ministério de compaixão, a partir da conhecida parábola do Bom Samaritano, traz-nos a compreensão de que o exercício da misericórdia é primordial para que os crentes demonstrem sua espiritualidade genuinamente cristã. Além disso, o exercício da misericórdia existe como um teste para os cristãos, pois o amor verdadeiro que devemos ter, deve ser exercido tanto por palavras quanto por obras (I Jo 3.17,18; Tg 2.13-17)[4].
Nós, que somos herdeiros da tradição wesleyana, sabemos da relevância que a misericórdia e a compaixão tiveram no ministério de John Wesley e de seus seguidores. No contexto de uma Inglaterra profundamente marcada por transformações econômicas e sociais, John Wesley e seus seguidores fizeram uma leitura critica das mazelas sociais de seu tempo, e, inconformados com a dor, o mal, e a pobreza espiritual e material de sua geração, eles encararam os desafios de uma prática missionária comprometida com os menos favorecidos, movidos por amor e compaixão[5].
O historiador Mateo Lelievre em seu excelente livro “João Wesley – Sua vida e Obra” nos traz um relato elucidativo do envolvimento de John Wesley em relação às obras assistenciais em prol dos carentes e necessitados: distribuição de medicamentos a pobres, consultas médicas, organização do diaconato com vistas a um melhor atendimento aos pobres, criação de asilo para viúvas pobres, criação de uma escola para crianças, criação de uma sociedade de empréstimos, entre outras coisas[6].
Wesley compreendia que uma vida totalmente restaurada pela graça de Deus deveria ser alcançada em sua totalidade (integralidade). Esta característica no Metodismo vai se consolidando com o passar dos anos, e já na metade do século XVIII, o movimento wesleyano começa a se diferir de todos os modelos vigentes da época e se distinguindo nos séculos que viriam pela frente[7].
Ao ministrar para os seus seguidores, Wesley desafiava-os a irem ao encontro das almas perdidas. Contudo, ele acrescentava a irem àqueles que necessitavam mais de amor e solidariedade moral e espiritual. Estava ciente da realidade cruel que muitos viviam. Por isso, era sensível à situação de penúria de seu povo[8].
Para Wesley, as obras de misericórdia era um meio genuíno de graça por meio da qual não só o pobre é ajudado a encontrar uma vida melhor, mas também os que ministram para eles são beneficiados de muitas maneiras. Por meio das obras de misericórdia, os crentes não somente poderiam exercitar todas as disposições santas, mas também crescerem no amor a Deus e ao próximo, sendo as mesmas, genuínos meios da graça[9].
Em termos particulares, é interessante observar que a Igreja do Nazareno nasce sob o égide do cuidado com os menos favorecidos. Timothy Smith, escrevendo sobre os anos formativos da Igreja do Nazareno, nos diz que o objetivo principal dos primeiros nazarenos era pregar aos pobres a santidade. O mesmo autor também demonstra a preocupação do Dr. Phineas Bresee, fundador da Igreja do Nazareno, em explicar a relação entre a obra social e o evangelismo, mostrando desde o princípio sua preocupação com a simplicidade dos templos da denominação, de modo que os pobres se sentissem acolhidos e à vontade[10].
Ao longo de sua história, a denominação tem buscado se manter fiel ao pressuposto de sua origem, buscando exercer misericórdia e compaixão com aqueles que estão passando por privações, necessidades extremas ou que tem sido vítimas de catástrofes ao redor do mundo, atuando em várias frentes e em diversos programas[11]. Escritórios regionais, lideranças nacionais, Distritos e igrejas locais têm sido desafiados a estarem atuando diretamente neste ministério de tão grande relevância no contexto social em que estamos inseridos[12].
É importante que nós que somos herdeiros da tradição wesleyana, possamos olhar para trás, para nossos antepassados históricos e teológicos, e vermos como nossos precursores foram diretamente envolvidos com as ações de misericórdia e compaixão. Que seus exemplos e envolvimentos inspirem nossos corações e igrejas locais para que continuemos assistindo graciosamente àqueles que estão em estado de pobreza, miséria e vulnerabilidade.
[1] Embora alguns teólogos (missiólogos) façam distinção entre os conceitos de Compaixão e Misericórdia, neste breve ensaio usarei os conceitos intercambiavelmente.
[2] VINE, W.E; UNGER, M.F.; WHITE, W. Dicionário VINE: O significado exegético e expositivo das palavras do Antigo e do Novo Testamento. Tradução Luís Aron de Macedo. Rio de Janeiro: CPAD, 2002, p. 793, 794.
[3] Idem, p. 480.
[4] KELLER, T. Ministérios de Misericórdia: o chamado para a estrada de Jericó. São Paulo: Vida Nova, 2016, p. 14, 45.
[5] COSTA, Selma Antunes. Metodismo de John Wesley: Uma missão focada na compaixão.
[6] LELIEVRE, Mateo. João Wesley: Sua vida e obra. São Paulo: Editora Vida, 1997.
[7] COSTA, Selma Antunes. Metodismo de John Wesley: Uma missão focada na compaixão.
[8] COSTA, Selma Antunes. Metodismo de John Wesley: Uma missão focada na compaixão.
[9] COLLINS, K.J. Teologia de John Wesley: O amor santo e a forma da Graça. Rio de Janeiro: CPAD, 2010, p. 347.
[10] SMITH, T.L. La Historia de los Nazarenos – Los años formativos. Missouri: CNP, s/d, p. 131, 132.
[11] Para maiores detalhes a respeito das ações de compaixão e misericórdia da Igreja do Nazareno Internacional, pedimos acessar o site www.ncm.org.
[12] Para um melhor entendimento da visão da denominação em relação a este ministério, pedimos acessar o site das Fortalezas Nazarenas.