Kenneth Keathley é professor de Teologia e reitor de Pós-Graduação no Seminário Teológico Batista do Sudeste em Wake Forest, Carolina do Norte. Como teólogo, é um homem que confrontou o raciocínio calvinista tradicional da TULIP (depravação total, eleição incondicional, expiação limitada, graça irresistível, perseverança dos santos), apesar de estar convencido de alguns pontos positivos que são apresentados por essa teologia. Simultaneamente, validava algumas teses arminianas. O que ele deveria fazer, então? Afinal, ele concordou com três dos cinco pontos, mas não concordou com a expiação limitada e com a graça irresistível. Não apenas isso, ele não podia aceitar totalmente T, U e P como são apresentados tradicionalmente pelos calvinistas.

Sua escolha recaia entre ser incongruente em muitos aspectos, ou encontrar uma maneira de ser consistente e bíblico. Keathley escolheu o último e, para tratar essa questão, se aprofundou no molinismo e se baseou no acrônimo ROSES, já formulado por Timothy George anteriormente: Depravação radical, Superação pela graça, Eleição Soberana, Vida eterna e Redenção Singular (em tradução livre), para promover ajustes ao seu pensamento.

Assim, o termo antigo depravação total, que dá a impressão de que a humanidade caída é sempre tão ruim quanto possível, é substituído por depravação radical, que enfatiza mais corretamente que todos os aspectos do nosso ser são afetados pela queda e nos torna incapazes de nos salvar a nós mesmos ou mesmo de querermos ser salvos.

O termo antigo, graça irresistível, parece implicar que Deus salva uma pessoa contra sua vontade. O novo termo, vencendo pela graça, destaca que é o sinal persistente de Deus que supera nossa obstinada perversidade. Muitas vezes o termo eleição incondicional é apresentado de tal maneira que dá a impressão de que aqueles que morrem sem receber a Cristo o fizeram porque Deus nunca desejou a salvação deles em primeiro lugar. Pelo contrário, a eleição soberana afirma que Deus deseja a salvação de todos, mas acentua que nossa salvação não está baseada em escolhermos a Deus, mas em Deus escolher para si um povo santo.

Por outro lado, a expressão perseverança dos santos, leva à noção de que a garantia de um crente é baseada em sua capacidade de perseverar, e não no fato de ele ser declarado justo em Cristo. O propósito do novo termo, a vida eterna, é enfatizar que os crentes desfrutam de uma vida transformada que é preservada e nos é dada uma fé que permanecerá até o fim.

Finalmente, a Redenção singular surge para substituir um conceito particularmente infeliz, a expiação limitada, que ensina que Cristo morreu apenas pelos eleitos e dá a impressão de que há algo faltando na expiação. Muitos calvinistas preferem termos como expiação definida ou redenção particular. Ao usar o termo redenção singular, Keathley enfatiza que Cristo morreu suficientemente para cada pessoa, embora eficientemente apenas para aqueles que acreditam.

Keathley procurou colocar tudo isso em uma perspectiva molinista em seu livro Salvação e Soberania[1]. O Molinismo postula que Deus está realmente no controle, e ainda oferece ao homem livre arbítrio. Segundo o autor, “o Molinismo ensina que Deus exercita Sua soberania primeiramente através de Sua onisciência, e que Ele infalivelmente sabe o que criaturas livres fariam em qualquer situação.”

Isso permite que Deus seja de fato soberano, mas também permite que o homem seja verdadeiramente livre e que suas escolhas sejam verdadeiramente suas, e contam como algo diferente de uma resposta necessária aos estímulos Divinos. Porque Deus conhece todas as coisas Ele conhece todas as possibilidades, assim como quais possibilidades são possíveis. Em outras palavras, Deus não apenas sabe o que poderia acontecer, Ele sabe o que acontecerá em qualquer circunstância, e Ele escolhe criar o mundo no qual todas as circunstâncias e escolhas trazem a maior glória ao Seu nome. No mundo que Deus escolheu, Ele conhece todas as coisas e o homem é livre para fazer suas próprias escolhas. Assim, Deus é soberano e o homem é livre.

Para Keathley, o Molinismo formula um “compatibilismo” radical – uma visão calvinista da soberania divina e uma visão arminiana da liberdade humana – e, por essa razão, é freqüentemente atacado de ambos os lados do debate. Ao longo do livro, dois argumentos são apresentados: (1) o paradigma Molinista proporciona o melhor modelo para entender a relação entre a soberania de Deus e a responsabilidade humana, e (2) o modelo ROSES, exposto acima, fornece a melhor maneira de aplicar o molinismo às doutrinas da salvação.

 No livro, Keathley argumenta que Deus é aquele que se revela como bom e, além disso, revela o que é a bondade divina através das Escrituras e do Seu Filho. De fato, a Encarnação indica que podemos ter uma melhor compreensão da bondade de Deus do que temos sobre Sua grandeza. A Bíblia nos revela muito mais sobre o caráter de Deus do que sobre como os atributos infinitos de Deus operam. Desde que fomos criados à Sua imagem, pela graça podemos ter alguma semelhança com o caráter de Deus – Seu amor, misericórdia e integridade – apesar da queda.

Depois, a liberdade humana é derivada e genuinamente nossa. As Escrituras não apresentam a liberdade humana como algo absoluto, ilimitado ou autônomo. No entanto, Deus nos modelou à Sua imagem, e um aspecto importante da imago dei é a verdadeira capacidade de escolha. A Bíblia apresenta a liberdade de duas maneiras – como permissão e como poder. Liberdade é permissão para fazer certas escolhas, enquanto o livre arbítrio é a capacidade ou poder de fazer essas escolhas.

Por sua vez, a graça de Deus é tanto monergista quanto resistível. Geralmente, aqueles que defendem o monergismo tem dificuldade em explicar por que muitos rejeitam o evangelho ou por que os cristãos continuam a cometer pecados depois que nascem de novo sem fazer parecer que Deus deseja secretamente a incredulidade do que rejeita Cristo ou a desobediência do cristão. No capítulo sobre a superação pela graça, encontramos um modelo que propõe que a graça de Deus é simultaneamente unilateral e resistível. Deus é inteiramente responsável pela salvação; os humanos são inteiramente responsáveis pelo pecado.

Quanto a eleição, Deus escolhe incondicionalmente e de acordo com a sua presciência. A maioria dos calvinistas afirma que Deus ordena ativamente a salvação dos eleitos, mas apenas permite a condenação do incrédulo. Este livro argumentará que qualquer calvinista que usa o conceito de permissão é na prática já um molinista, mesmo que ele não o saiba, ou então ele usa “permissão” de tal maneira que torna o termo sem sentido. O molinismo argumenta que a escolha soberana de Deus é informada pela presciência, mas não determinada por ela. Até os calvinistas acreditam que a presciência desempenha algum papel na predestinação. Como o teólogo reformado John Frame aponta, Deus não predestinou este mundo enquanto estava em um estado de ignorância. Os Molinistas concordam com os calvinistas que é crucial sustentar que Deus não elegeu por causa do mérito pré-conhecido ou da fé prevista. Vários arminianos também se identificam como molinistas, mas quando observamos como Molina lidou com a eleição em sua interpretação de Romanos 9, ficará claro que o molinismo não é meramente uma variação do arminianismo.

Finalmente, os salvos são preservados e perseveram. A Bíblia ensina que nem todos os que afirmam ser cristãos vão para o céu. Como veremos, a formulação de uma doutrina de segurança da salvação que leve em consideração esse fato é um desafio que atormenta tanto os calvinistas quanto os arminianos. No capítulo sobre a vida eterna , este livro propõe um modelo de segurança que afirma que todos que confiam em Cristo para a salvação são preservados com segurança e que toda pessoa salva possui uma fé que é garantida a permanecer.

Desse modo, a expiação de Cristo é ilimitada em sua provisão e limitada em sua aplicação. Freqüentemente, o debate sobre a extensão da expiação foi considerado entre as visões geral e particular (isto é, que Cristo morreu universalmente para todos em geral ou que pagou apenas pelos pecados específicos de cada crente). O capítulo sobre a redenção singular explicará que a expiação ilimitada de Cristo é suficiente para todos mas eficiente apenas para quem acredita.

Este é um livro bem escrito que será uma grande bênção para qualquer um que procure se aprofundar no assunto e, como um bom jardineiro, considerar alternativas para algumas contradições do Calvinismo ou do Arminianismo. A Editora Sal Cultural publicará o livro Salvação e Soberania: uma abordagem molinista, de Ken Keathley, no segundo semestre de 2019.


[1] Salvation and Sovereignty: a Molinist Approach.

Editora Sal Cultural - Coleção Grandes Temas da Teologia

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