A presente obra que chega agora ao público brasileiro não é totalmente desconhecida. O impacto que causou após seu lançamento em solo americano repercutiu em todos os lugares onde a Igreja do Nazareno tem pastores e seminaristas, inclusive aqui no Brasil. No entanto, não dispúnhamos ainda de uma versão em língua portuguesa, que facilitasse a compreensão do seu conteúdo e estivesse à disposição de um maior numero de pessoas.
A importância desta publicação para o Movimento de Santidade e para as igrejas oriundas dele poderá ser constatada na leitura deste livro, onde fica evidente a tentativa que a autora faz para harmonizar as principais discrepâncias entre o que John Wesley escreveu, pregou e fez e aquilo que seus seguidores escreveram, pregaram e fizeram nos anos subseqüentes, dando lugar, em algumas ocasiões, a ensinamentos completamente destoantes do verdadeiro entendimento wesleyano.
Tendo isso em mente, a leitura e, principalmente, o estudo destas páginas poderá trazer de volta um fundamento teológico mais próximo daquele que inspirou Wesley. A Dra. Mildred confronta assim a “Escolástica da Santidade”, isto é, como ficou conhecida a transferência daquilo que é real na experiência para um símbolo que aponte para ela, limitado a conceitos teológicos. Como resultado, encontramos uma “sistemática” estereotipada por padrões humanos extra-bíblicos e que não reproduzem a essência da mensagem de Wesley, e do próprio evangelho.
Colocar a ênfase da santificação, por exemplo, em um evento subjetivo como uma “crise”, trouxe algumas dificuldades de ordem teológica, pois várias perguntas que naturalmente surgiram na boca daqueles que buscavam a “segunda benção” não encontravam a conceituação adequada ou uma resposta satisfatória. Isso implicaria na remoção do pecado inato? De acordo com alguns teólogos do século XIX sim, mas para a autora deste livro não. Para ela o pecado não era uma coisa que poderia ser erradicada por uma segunda obra da graça. Ela o descreve como um relacionamento alienado entre Deus e o homem.
Isto revela o fio condutor do raciocínio de Wynkoop: a natureza humana. De acordo com ela, o homem foi criado em liberdade e esta liberdade só pode ser exercida plenamente quando se estabelece um fundamento moral prévio. Wesley já dizia que a imago dei tinha um viés moral a partir do qual a vontade humana deveria corresponder à vontade de Deus livremente.
Mildred argumenta que essa “natureza” moral é o que torna o homem capaz de ser íntegro. Significa, diz ela, “que o homem age em relação ao certo e ao errado, bom ou ruim, verdadeiro ou falso. E é responsável por qualquer decisão que tome sobre esses pares, mesmo que não entenda exatamente o que é certo ou errado, bom ou ruim, verdadeiro ou falso.” Esse entendimento terá repercussão inclusive – e inicialmente, na salvação do homem, pois ela entende que a salvação também, em última instância, não é só uma questão de fé para aceitação da oferta de Deus mas também que a rejeição dessa oferta é um ato consciente, portanto moral. Dessa maneira, a incredulidade passa a ter uma conotação moral.
Por outro lado, somente ao exercer essa liberdade o homem estaria demonstrando verdadeiramente o amor – o amor a Deus e ao próximo. Segundo Wynkoop, a alienação reinante no homem caído é fruto de um amor mal orientado. Ela considera que o amor humano é um sentimento que impulsiona o agir humano. Quando o homem está caído, e têm suas faculdades obscurecidas, esse amor é voltado para si mesmo e se insurge como egocentrismo e egoísmo. Mas quando o homem é liberto por Cristo, uma nova órbita centrada em Deus é apresentada para esse amor humano. Agora o homem poderá amar numa dimensão completamente diferente. A palavra grega Ágape foi o termo escolhido para descrever essa nova disposição que se assemelha mais a uma qualidade da pessoa que a um tipo diferente de amor.
Mildred explica que se trata de “um princípio pelo qual alguém ordena vida, ou pelo qual a vida é ordenada. A partir desses relacionamentos da vida surge o caráter. Não é uma nova e injetada habilidade, mas uma orientação pessoal que alcança primeiro Deus e depois, por necessidade, todas as outras pessoas e coisas na vida. É chamado de amor cristão, e é exclusivo em sua plenitude em Cristo.”
Para ela, o amor cristão não é uma emoção, mas uma atitude “deliberada de onde as relações sustentadas com outras pessoas são mantidas em equilíbrio, pela orientação deliberada de alguém para com Deus e seu “próprio respeito”, no sentido correto, amor próprio”. É por isso que o amor é o verdadeiro fundamento e a essência de uma vida santa, por que denota a forma de viver de uma alma que reflete a imagem divina cujo maior interesse é satisfazer a vontade daquele que a criou. Esse compromisso, quando devidamente compreendido pelo cristão, é o que fará a diferença na sua vida espiritual. A santificação é a expressão externa do amor.
Sobre isso, aliás, a Dra. Wynkoop explica que não há qualquer distinção essencial entre a primeira crise de justificação e a segunda crise da inteira santificação. Ambas as crises são santificantes, mas “a diferença entre as duas é simplesmente uma diferença entre graus de compromisso.” Desse modo, o cristão maduro, inteiramente santificado, aperfeiçoado no amor é aquele que não teve por preciosa a sua própria vida – aqui entendida sua própria existência – anseios e disposições, e aceitou entregá-la no altar para viver a experiência de uma nova vida baseada na boa, agradável e perfeita vontade de Deus – no amor a Ele e ao próximo.
Finalmente, algo que fica evidente em Wynkoop como era em Wesley é que sua teologia não segue pressupostos sistemáticos. Com isso queremos dizer que é uma teologia bíblica, portanto, mais livre e somente dessa maneira é que ela pode ser dinâmica, pois, no dizer da autora, “a ênfase dinâmica em relação a Deus, ao homem, ao amor, à graça, à natureza e à salvação e às relações interpessoais é crucial à fé cristã.”
Assim como Wynkoop escreveu sobre a teologia de Wesley o mesmo podemos dizer a respeito dela, “sua teologia foi feita para encaixar nas possibilidades humanas” e é assim que apresentamos esta obra com a convicção de que é um material de conteúdo extremamente útil não apenas para pastores, professores e seminaristas de origem e confissão armínio-wesleyana, mas para todo estudioso da bíblia e da teologia cristã.
É nosso desejo que a leitura deste livro produza frutos em abundância além das fronteiras das salas de aula, dentro e fora da Igreja.
Eduardo Vasconcellos
Teólogo Nazareno